Eu espondo: está pensando.
Botando informação pra dentro, mastigando com os neurônios e alojando cada coisa numa gavetinha na sua cabeça.
Evolutivamente, o processo de aprender não tem nada a ver com conseguir blefar melhor no pôquer ou citar Nietzsche. Tem a ver com sobrevivência.
A gente observa, repete, aplica e guarda tudo aquilo que pode nos ajudar a escapar de um risco iminente, seja um leão ou uma palavra.
Pensamos para conseguir sobreviver.
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Sentir, por sua vez, é o termômetro interior que desenvolvemos ao longo de milhares de anos, que nos diz se estamos seguros nesse ambiente perigoso, cheio de leões e palavras.
Sentir serve para que mostrar uma realidade dentro de nós que vai além do dicionário e da lei da selva.
Sentimos para dar significado à existência.
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E como é que a gente toma decisões?
Pensando.
Ignorando o sentido e focando na estratégia de sobrevivência, mesmo quando não estamos correndo tanto risco assim.
Usamos justamente a estratégia de fuga, quando podíamos muito bem estar no lugar seguro, no termômetro evolutivamente refinado e facilmente acessível dentro de cada um.
"Usar a cabeça" virou sinônimo de decisão bem tomada, mas eu tô com o consultório cheio de gente infeliz com a cabeça exausta de pensar.
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Aproveita que você tá matando tempo e faz esse exercício rapidinho:
Escolha um assunto que te incomoda.
Pode ser uma decisão, uma relação com alguém, um trauma do passado.
Tenta relaxar um pouco o corpo, na cadeira mesmo.
Respire fundo e tenta se conectar com o seu corpo pelo lado de dentro.
Veja bem o que está confortável e o que não está, sem tentar corrigir nada.
Tente, por uma vez na vida, ser seu amigo e receber o que vem de você como se viesse de alguém que você gosta muito.
Aceite o que o seu corpo mostrar, sem julgamento e com bastante carinho.
Agora preste atenção na região entre a barriga e o pescoço, e manda a pergunta pra dentro:
"Que espaço isso (o tema que você escolheu) ocupa aqui dentro de mim?"
Tente não usar palavras.
Só sinta dentro do corpo, o espaço que isso ocupa dentro de você.
Resista à tentação da cabeçorra voraz. Sinta o corpo.
"Como meu corpo se sente em relação a isso?"
Perceba os sentimentos que vêm a tona.
O corpo não responde com palavras, mas com sensações, cenas, memórias.
Deixe vir.
Depois de sentir por um tempo, pode usar a cabeça pra tentar descrever essas cenas e sensações brevemente. Brevemente, hein?
Às vezes só essa parte já ajuda a perceber o que a gente pode fazer pra mudar a situação.
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Mas tem uma segunda parte:
Ainda relaxado e amigável consigo mesmo, foque naquela mesma parte do corpo e pergunte:
Do que eu preciso em relação a esse tema?
Como é que eu me sinto bem?
Sons, imagens, memórias, aceite o que vier com bastante atenção e carinho.
E sinta o alívio de identificar o que você sente.
Pode ser que você não sinta isso há muito tempo.
Agora, mesmo que a situação continue a mesma, você já sabe o que se dar.
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É chato que a vida da gente esteja tanto na nossa cabeça que seja necessário reservar tempo e fazer exercícios simplesmente pra conseguir sentir alguma coisa.
Mas o esforço compensa, principalmente pra quem com ansiedade e depressão.
Entrar em contato com o porto seguro do corpo ajuda a desenvolver a força emocional e o carinho consigo mesmo necessário pra enfrentar essas condições.
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Vários estudos científicos relacionam a percepção de emoções a partir do corpo a um bom resultado de terapias.
Fazer isso uma vez por dia pode fazer uma grande diferença a longo prazo.
Experimente e me conta como foi. Como você se sentiu?
Fez sentido pra você?
Fez sentido pra você?