tag:blogger.com,1999:blog-72930442024-03-12T20:52:10.959-03:00Ruim da Cabeçapra tentar estar bem mesmo se a cabeça não ajudaFlávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.comBlogger487125tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-88733532122575247962024-03-06T10:38:00.002-03:002024-03-06T10:38:14.212-03:00Pombas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDy1n4ih0l3kYVCQDe7mEgqEl4dCy2RlmRvcEq_7OLfcHYBrDwqLGSimk5VI8SZP0kwz7gu0nhjLA_-_npYey0H4MKrKWrRW7djkqqY0mkXEFpzkY4O7OrJ0nWGRKs-mpwWAKfbbroxf3dEhZa_6MakbdifrmEnnw2Vm4WgfLLxPT7gNFzaGbZjQ/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDy1n4ih0l3kYVCQDe7mEgqEl4dCy2RlmRvcEq_7OLfcHYBrDwqLGSimk5VI8SZP0kwz7gu0nhjLA_-_npYey0H4MKrKWrRW7djkqqY0mkXEFpzkY4O7OrJ0nWGRKs-mpwWAKfbbroxf3dEhZa_6MakbdifrmEnnw2Vm4WgfLLxPT7gNFzaGbZjQ/s320/1.png" width="320" /></a></div><p><br /></p><p>Faz tempo que eu não escrevo por aqui. O esforço de sentar a bunda na cadeira e digitar por vários minutos não tava fazendo muito sentido pra mim nos últimos tempos.</p><p>Escrever virou obrigação, e obrigação e limão galego azedam quase tudo. Um amigo jornalista me disse que a faculdade assassinou seu prazer de escrever: a partir do momento em que o dom virou um produto, a alegria foi embora.</p><p><br /></p><p>Eu estudei psicologia com a desculpa de que eu poderia escrever melhor se conseguisse, de alguma forma, entender as motivações e sentimentos das pessoas.</p><p>Acabou que a psicologia me deu um palco legal para escrever. Foi falando sobre sentimentos que eu conquistei uma carreira, já que escrever sobre sentimentos dava a impressão para as pessoas de que eu talvez conseguisse conversar sobre eles também.</p><p><br /></p><p>A coisa fez tanto sucesso, em um ponto, que eu comecei a me sentir obrigado a produzir insights em série pra manter o nível que a expectativa sugeria. Azedei. Já faz algum tempo que escrever sobre sentimentos como se fossem entidades sagradas e distantes me dá um pouquinho de enjoo. </p><p>Quando minha relevância online acabou - como acabam todas as relevâncias - confesso que senti algum alívio.</p><p><br /></p><p>Mas qual o propósito de escrever, então, se hoje meu consultório está relativamente cheio? Se os sentimentos já não são a fonte de inspiração que um dia foram? Se pouca gente ainda me lê?</p><p><br /></p><p>Foi aí que uma coisa me pegou em cheio. Uma coisa não, uma pomba. Lá vai:</p><p>Eu gosto de fazer longas caminhadas pra me perder nos pensamentos. Nos pensamentos, aliás, eu continuo escrevendo muito, porque pensamentos são muito mais hospitaleiros do que o papel.</p><p><br /></p><p>Pois bem, estava caminhando quando vi uma pomba voando perto de mim. Eu nem tchum - pomba é tipo aqueles risquinhos na vista que a gente aprende a ignorar - mas aquela pomba não estava disposta a ser ignorada.</p><p>Enorme, ela deu um rasante em mim e bateu violentamente na minha testa. Sem exagero, parecia que eu tinha passado por um acidente de carro e batido com a cabeça no painel. </p><p><br /></p><p>Jamais imaginei que colidir com uma pomba seria uma possibilidade nessa vida, mas lá estava eu, na rua, com a cabeça doendo, os fones de ouvido caídos no chão e os pedestres ao meu redor segurando (mal) a risada.</p><p>Tudo o que passava na minha cabeça, além de umas penas que ficaram presas no meu cabelo, era que eu precisava escrever sobre isso. Se eu não contasse essa história pra ninguém, o incidente só seria marcante pra mim e pra pomba, e a dor na minha cabeça só teria sido um inconveniente numa segunda-feira qualquer. </p><p><br /></p><p>Já se eu escrevesse sobre isso, a situação mudaria de figura. Viraria uma anedota, viraria um evento, viraria um pinguinho de singularidade no personagem que eu sou. </p><p>Acho que é por isso que eu gosto de escrever, pelo sentido que se pode dar aos absurdos. Pelo curioso. Pela meditação. Pelo prazer. Por poder compartilhar as coisas que subitamente me vem à cabeça.</p><p><br /></p><p>Esse texto vai me trazer likes? Não muitos. Pacientes? Provavelmente não também - o público de pessoas traumatizadas com pombas não deve ser tão grande. </p><p>Mas vai fazer diferença pra mim. Isso basta. </p><div><br /></div>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-79437418913601437752024-02-06T10:38:00.001-03:002024-03-06T10:40:17.042-03:00Gincanas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkXgMRqwIGQsqRbuXXq64RpvoibRVkYSAHyRtpqRcYLqPDeblvD6FzaKrV9ndjvthQa4pgXV52rQO28x68OukRMrLROEL4bkG-M8xmphEUPbgS4JsSA9bGNoCZ4b8pnwxMlIZJJrQdqPkqxL4aQEdjakD2lh-RHo9OCYi9P1c6mcyNF1BJjIhyUA/s1080/416157445_10160241186408985_5748785853221029533_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkXgMRqwIGQsqRbuXXq64RpvoibRVkYSAHyRtpqRcYLqPDeblvD6FzaKrV9ndjvthQa4pgXV52rQO28x68OukRMrLROEL4bkG-M8xmphEUPbgS4JsSA9bGNoCZ4b8pnwxMlIZJJrQdqPkqxL4aQEdjakD2lh-RHo9OCYi9P1c6mcyNF1BJjIhyUA/s320/416157445_10160241186408985_5748785853221029533_n.jpg" width="320" /></a></div><p><br /></p><p>Os psicólogos dizem que a infância é uma época de aprendizado, mas estou aqui para provar que psicólogos não sabem de nada. Se a gente aprendesse algo na infância, não passaria o resto das nossas vidas sem participar de uma gincana.</p><p>Elas são tão divertidas quando a gente é criança, tão gostosas de assistir na televisão, então por que é que a gente para de fazer gincanas depois que cresce?</p><p><br /></p><p>E não é como se a gente esquecesse desse prazer depois de adultos. A ciência já comprovou que oitenta por cento do pensamento de um humano médio é gasto imaginando como se sairia se estivesse no Qual é a Música?</p><p>Quem nunca se imaginou heroicamente descobrindo qual é uma canção com apenas duas notas, maestro?</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>É somente numa gincana que o potencial do ser humano é revelado completamente. Você pode passar anos estudando e nunca ter descoberto seu verdadeiro potencial, que é pegar maçãs numa bacia de farinha com a boca.</p><p>É na gincana que as pessoas se conhecem verdadeiramente.</p><p>Sem gincanas, como você descobriria que seu colega de trabalho é um gigante na corrida de saco?</p><p>Como mostraria para os amigos que sabe o nome da capital da Islândia?</p><p><br /></p><p>Como um trabalhador consegue viver suportando a realidade de que nunca vai poder mandar seu chefe pagar uma prenda?</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Eu entendo que a disponibilidade para montar gincanas é muito menor quando a gente cresce, por isso as gincanas precisam ser acomodadas dentro de algum ritual que a gente já precisa efetuar de qualquer forma.</p><p><br /></p><p>Minha sugestão: velórios-gincana.</p><p>A família e amigos já estão reunidos, todos já tem um elemento em comum (convenientemente exposto no centro de uma sala), e o padre/pastor/diretor da funerária podem servir como árbitros.</p><p>"Ah, mas eu estou sofrendo!"</p><p>Pois prove. Chore enquanto corre carregando um ovo numa colher com a boca.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Até planejei a gincana do meu próprio velório, porque a gente ensina mesmo é dando o exemplo.</p><p>Eu vou querer três times: homens, mulheres e LGBT.</p><p><br /></p><p>Todos vão passar por provas que medem força, agilidade, inteligência e capacidade de fazer sexo com pessoas do mesmo gênero - todas valendo a mesma quantidade de pontos, pra ser justo.</p><p>As provas vão ser temáticas da minha vida: a primeira atividade é atravessar sem chorar um corredor de bullying intenso. Depois, uma prova de bote-o-rabo-no-burro pra simbolizar meu ensino médio e uma prova de quem come mais cachorros-quentes em menos tempo pra representar meu ganho de peso após os trinta.</p><p><br /></p><p>Depois, as pessoas vão responder perguntas sobre a minha vida.</p><p>"Aos dez anos, ele descobriu na brincadeira do compasso qual era o nome da pessoa que ele ia beijar. Qual era o nome?"</p><p>"Com qual canção do Kid Abelha ele passou vergonha na adolescência ao ouvir em público e gritar UHUL sem querer?"</p><p>"O Flávio usava a mesma senha em todos os suas redes sociais mesmo após repetidos vazamentos de dados. Qual era a senha?"</p><p><br /></p><p>A primeira pessoa que correr cinquenta metros de lama, tocar um sino e responder corretamente ganha dez pontos.</p><p><br /></p><p>Pro esforço valer a pena, o time ganhador pode levar meu corpo empalhado pra casa.</p><p>Tomara que a moda pegue. Estamos precisando ser mais lúdicos.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-77459032162047887382023-12-06T18:53:00.002-03:002023-12-06T18:53:30.119-03:00Punk de pancinha<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVH3RBZoKqd5NzX0LDeWclBJMj2x9YpLlHg709AgDfBDwHDWLo-jmB7sd_sXI38LXRwf3sV8nWD25XmQCtkxtXQisQePOMebsL4iknDUGma3c2QBJ3OniZ59Z66o2RzDU_Oc-Bzzugvrb8ERj9SxTk6d4ozCsHJLOgqnHSCV8aNlRPyNvFg23jMg/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVH3RBZoKqd5NzX0LDeWclBJMj2x9YpLlHg709AgDfBDwHDWLo-jmB7sd_sXI38LXRwf3sV8nWD25XmQCtkxtXQisQePOMebsL4iknDUGma3c2QBJ3OniZ59Z66o2RzDU_Oc-Bzzugvrb8ERj9SxTk6d4ozCsHJLOgqnHSCV8aNlRPyNvFg23jMg/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>No ano passado, perdemos Vivienne Westwood, símbolo da moda punk. Punk, no caso, sendo um movimento dos anos 70 que desejar provocar mudanças na sociedade a partir do incômodo, através do choque, seja na música, na atitude ou no visual. </p><p>No lugar de um casaco bonito, de pele, a ideia era usar uma jaquetona rasgada, com caveiras e tachinhas de metal de fora a fora. Em vez de um educado topete arrumado milimetricamente, usar um moicano gigante (arrumado mais milimetricamente ainda). </p><p>A Vivienne, mesmo bem velhinha, andava por aí de cabelão laranja e roupas diferentonas. Era um jeito de reagir às demandas limpinhas da sociedade conservadora que ela conheceu ao nascer na década de 40. </p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Cês já repararam na quantidade de tempo que a gente passa constrangido?</p><p>Tenho visto isso por tudo.</p><p>Na padaria, alguém comenta "ai, não devia mas vou comer um docinho!".</p><p>Numa festa de casamento, alguém diz "como esse vestido mostra minha barriga!". </p><p>Parece que estamos constantemente tentando justificar algum comportamento inadequado.</p><p>Compreensível: nos acostumamos a ter demandas muito altas não em apenas uma, mas em todas as áreas da vida. </p><p><br /></p><p>Tá proibido se satisfazer em ser uma boa mãe se você não tiver tanquinho. Tudo precisa ser absolutamente excelente. A carreira encaminhada. O estudo sempre atualizado. O corpo sempre musculoso. A casa digna de Pinterest. </p><p>Estamos sob fiscalização constante.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Esse estado de polícia em tudo não nos destrói só pelo cansaço. A expectativa de perfeição é violenta por bloquear nossa capacidade de sentir prazer.</p><p>Não dá tempo de ser feliz com o que conquistou no trabalho se você está sempre buscando a promoção seguinte. Não é possível se sentir seguro com a própria conta bancária quando as exigências financeiras só aumentam.</p><p>Sem contar que não é nada sexy esterilizar o corpo de todas as suas imperfeições como quem prepara um campo cirúrgico. Como gozar direito quando o pensamento está no (esse sim, sexy!) balanço da pancinha?</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Não há nada a se ganhar em ceder ao constrangimento de não atingir as expectativas. Essa vontade de agradar sabe-se lá quem só traz mais trabalho e submissão a regras com as quais nem concordamos de verdade.</p><p>É preciso combater isso. Se hoje um moicano já não choca mais ninguém, que inventemos nossa própria subversão. </p><p><br /></p><p>Hoje, punk é ter pancinha. </p><p>É ter orgulho de andar de ônibus. É olhar pra quem prega "trabalhe enquanto eles dormem", pensar "otário" e ir tirar uma soneca. É olhar pro boletim da nossa vida cheio de notas 7 e achar ótimo.</p><p>É apreciar estar na média, não por mediocridade, mas por transgressão. </p><p><br /></p><p>Vamos perder o constrangimento e voltar a gozar!</p><p>Vai ser chiquérrimo.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-9510531294226840222023-12-01T18:54:00.001-03:002023-12-06T18:54:59.326-03:00De cara feia<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlVc2DmuH3CpBlMqocvmS5BJPQvfWwRiKHiZzfnOFFe_3Bw7oTWu2J5addIqOUz5SGgB8tgebr-JtlxxCrn7Zfem0zETOtS83d__w3rCA7TeTTJ27vdl6BMFDYWMluNtQBWAbqbllK-cu8e8G4Ee2LWblw-tyAcxgF51LJ2r1bub5Hs8OmlqnhbA/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlVc2DmuH3CpBlMqocvmS5BJPQvfWwRiKHiZzfnOFFe_3Bw7oTWu2J5addIqOUz5SGgB8tgebr-JtlxxCrn7Zfem0zETOtS83d__w3rCA7TeTTJ27vdl6BMFDYWMluNtQBWAbqbllK-cu8e8G4Ee2LWblw-tyAcxgF51LJ2r1bub5Hs8OmlqnhbA/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Vou fazer uma leitura mediúnica da sua aura, peraí. Se concentra.</p><p>Estou sentindo o que lhe aflige do outro lado da tela, e o que lhe aflige é uma entidade muito pior do que um encosto. </p><p>Você está sendo assombrado por um chato. </p><p>Vou além: pelo pior subtipo de chato, o chato espaçoso. </p><p>Aquele chato que gosta de testar seus limites e de ir sempre um pouquinho além de onde é bem-vindo, e o faz sempre com um sorriso no rosto. O chato espaçoso é sempre muito simpático. </p><p>Ele chega fazendo uma pergunta inconveniente com a entonação de quem tá só brincando. Ele pede favores em público, de um jeito que vai certamente fazer parecer muito mal educado quem ousar dizer não.</p><p>O chato tem cara de todos os paus de um baralho inteiro, e é impossível constrangê-lo.</p><p>E, cá entre nós, chega de gente assim no mundo.</p><p>--</p><p>Lidar com gente espaçosa cansa por dois motivos: um, é muito trabalhoso reforçar limites o tempo todo, dois, é mais pesado ainda quando a gente tenta ser educado no processo.</p><p>É nessa hora que a gente perde a briga, quando acaba cedendo só pra se poupar do trabalho que daria botar limite num chato dessa estirpe. Aí, quando a gente vê, a pessoa entrou em tantos espaços nossos que a gente fica sufocado e não vê outra opção senão explodir.</p><p>E o chato, depois da explosão, fica ofendidíssimo. Como é chato o chato!</p><p>--</p><p>Pois eu tenho uma teoria: o problema é querer ser legal.</p><p>A pessoa que tenta ser gentil o tempo todo é a vítima perfeita de um folgado. O folgado sabe explorar o desconforto da pessoa gentil de modo a lhe fazer obedecê-la, e quem passou a vida toda se podando pra não gerar desconforto pra ninguém sofre muito com isso.</p><p>Afinal de contas, a gente só quer ser amado, certo? E só é amado quem é gentil, certo?</p><p>Uma pessoa mais moderada sugeriria que pode ser útil entender que não é falta de educação colocar limite. Que dizer não é um direito seu.</p><p>Mas isso não cola com a pessoa educadinha. A pessoa educadinha precisa saber que quem está sendo invasivo é o chato, mesmo, e que a falta de respeito começou no momento em que a pessoa entrou num terreno para o qual não foi convidada. </p><p>Dali pra frente, a educação que vá às favas. É dedo no olho e xingar a mãe.</p><p>Por que não fazemos isso? Por medinho de parecermos rudes, afinal, quem vai gostar de uma pessoa grossa, me diz?</p><p>Pois eu digo que é bem o contrário. </p><p>Não há pessoa mais apreciada que aquela que sabe fechar o tempo quando é hora de tempestade.</p><p>--</p><p>Começando pelo fato de que saber fechar a cara e colocar limites é muito saboroso. Quem começa não quer mais parar. </p><p>Além disso, colocar limites com firmeza é algo tão raro que inevitavelmente atribui a quem o faz uma aura encantadora.</p><p>Tem uma história famosa de que o Jamelão, puxador de samba da Mangueira, foi abordado por uma fã na rua que disse: </p><p>"Jamelão, eu amo você! Deixa eu te dar um beijo?" </p><p>De cara ele respondeu: </p><p>"Não! Não sei onde você andou com essa boca!" </p><p>Eu duvido que essa fã tenha saído ofendida. Garanto que saiu de lá ainda mais fã do homem. </p><p>Não é a toa que o Garfield, o personagem mais mal humorado que já existiu, faz tanto sucesso. Ele só age como muitos de nós, educadinhos, gostaríamos de agir: dando patada em todo mundo. </p><p>Há de se respeitar esse dom.</p><p>--</p><p>Pra quem tem medo da reprovação social caso saia tesourando folgados, fica o convite. A pele de mal humorado pode lhe cair muito bem.</p><p>De quebra, você sai protegido de gente folgada, com o prazer de dar uma patada em quem merecia e seguro de ser charmoso - estupidamente charmoso.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-65301945342968702842023-11-15T15:03:00.005-03:002023-11-15T15:03:31.038-03:00ASMR<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0kk1lswLIz7eZSnmN83ba5i8LQ1BurGPhAS9O3BsQMDu37djK-d3iNT_6UfAvPw-kZRhEcj5KhExklBvOwwxewMYvEBRpgKTWBm_5RK_EBNz89LD7pDeXUbZruJo-EJj2aDSKTjZ-GW87xagPG0XO29tRieTFzEVyh_DDzaPtr1Rf1COMZ67sLg/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0kk1lswLIz7eZSnmN83ba5i8LQ1BurGPhAS9O3BsQMDu37djK-d3iNT_6UfAvPw-kZRhEcj5KhExklBvOwwxewMYvEBRpgKTWBm_5RK_EBNz89LD7pDeXUbZruJo-EJj2aDSKTjZ-GW87xagPG0XO29tRieTFzEVyh_DDzaPtr1Rf1COMZ67sLg/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Ando muito atarefado. </p><p>Por exemplo, passei a última meia hora ocupadíssimo escutando uma moça me falar que eu estou muito, muito cansado, e que ela vai me ajudar a relaxar profundamente. </p><p><br /></p><p>Ela fala baixinho, com as consoantes bem marcadas e faz uns movimentos leves com as mãos, de um jeito que me faz me sentir muito íntimo dela.</p><p>Isso me surpreendeu muito, já que ela estava do outro lado da tela do computador. A internet é o supermercado do diabo e eu fui cair justo no prazer mais constrangedor que um homem adulto pode ter: vídeos de ASMR.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Pra quem não conhece, ASMR é o nome que se dá praquele arrupio na espinha que vem quando você recebe um toque suave. </p><p>Sabe quando alguém passa a mão de leve na sua nuca e você, sem querer, treme a coluna inteira e deixa escapar um "ui"? Então, ASMR é um jeito que fizeram de entregar isso pela internet. É o arrupio EAD. </p><p><br /></p><p>Não é todo mundo que sente esses arrepios só de escutar um som agradável, mas eu sou a vítima perfeita pra esse tipo cafuné por correspondência. </p><p><br /></p><p>Isso me atrapalha faz tempo. Não me pergunte sobre psicodiagnóstico, por exemplo, porque na época da faculdade minha orientadora da matéria era uma mulher incrível, de fala doce e unhas enormes que ela batia de leve na mesa enquanto falava:</p><p>"Esse caso... (batidinha de unhas na mesa) é muito severo... (falando baixinho) de coprofagia..."</p><p><br /></p><p>Eu quase caía pra trás de tão gostoso que era ouvir essa mulher falando. Sempre prestei muita atenção nela. Da matéria mesmo eu não aprendi nada.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>O Youtube tem um grande cardápio de ASMR. </p><p>Tem gente que fala baixinho, tem gente que finge que faz exame médico, tem uma moça que interpreta uma freira enfermeira durante a peste negra na idade média, tem outra que usa as roupas da avó e finge que é benzedeira e está rezando pela sua alma... </p><p><br /></p><p>Ou seja, além do cafuné, é uma das raras oportunidades que um adulto tem de brincar de faz de conta. Hoje a gente só faz de conta pra tentar reviver um relacionamento parado ou pra dar golpe numa idosa que pensa que está namorando o Roberto Carlos pelo Facebook. </p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Outra coisa que me pega: todo mundo fala baixinho. Quem é que fala baixinho nos dias de hoje? Ainda mais na internet, que exige todos os decibéis possíveis pra dizer "FALA GALERA!". </p><p>A gente chega a esquecer o dom que é saber falar bem em particular. </p><p>Jogar um papinho íntimo, com todo o poder que só quem fala de um jeito suave, que sutilmente te obriga a prestar atenção, sabe ter. </p><p>Charme. Quem é que tem tempo pra ter charme em pleno 2023?</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Se existisse uma profissão que prostituísse só a parte de fazer carinho, eu seria o cliente número um. </p><p><br /></p><p>Sim, vão me dizer que isso já existe no Japão, mas junte quaisquer três palavras e isso já vai ser uma profissão no Japão. Funileiro de topete. Coach de relacionamentos. Estofador de gatos. Não conta. </p><p><br /></p><p>Um profissional que só mexesse na gente de leve, que ideia! Nem massagem, nem prostituição. Só carinho mesmo.</p><p>E eu falo com experiência, já fui numa parada de massagem tântrica e acabei gostando mesmo é do cafuné que a pessoa me fez no começo. A parte do orgasmo eu achei vulgar.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Vou fazer uma petição pra USP lançar um curso profissional de ASMR. Quem estudar sai com o título de Cafunologista (especialista em afagos e no capitão da seleção de 2002).</p><p>A pessoa sai formada em fazer carinho, brincar de faz-de-conta e em falar baixinho -- as três capacidades mais raras no mundo de hoje.</p><p>Já vou botar a casa na penhora pra quando a primeira turma se formar. A sessão não deve ser barata.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-66856677400949824762023-10-18T12:20:00.005-03:002023-10-18T12:20:51.837-03:00Enganei o bobo na casca do ovo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVJx3NSdxeTqFYzZ-hcASwzNLCRVmX7j0ieBAXywKPupghiSH5_2UXpU9LsY8aWfdRVQREYjdfRRowigiXGeo-FZOlwcQiHhRix0fI08DzkVtpdImLPBYGixJezM51rgANR1h6ScBQ-nTL5UPo1rkD8UMusmD46ud5Hld5T696NecGRS09b5Uqcw/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVJx3NSdxeTqFYzZ-hcASwzNLCRVmX7j0ieBAXywKPupghiSH5_2UXpU9LsY8aWfdRVQREYjdfRRowigiXGeo-FZOlwcQiHhRix0fI08DzkVtpdImLPBYGixJezM51rgANR1h6ScBQ-nTL5UPo1rkD8UMusmD46ud5Hld5T696NecGRS09b5Uqcw/s320/1.png" width="320" /></a></div><p><br /></p><p>Quem disse que desenho animado não é ciência? </p><p>Bem, ninguém disse isso, mas eu me surpreendi quando fiquei sabendo que um dos meus clichês preferidos de desenho infantil tem a ver com um prêmio Nobel. </p><p>Lembra quando o Tom, do Tom e Jerry - ou qualquer outro desenho da época - via um ovo chocar e o pintinho que saía de dentro o chamava de mamãe, e o seguia por todo lugar?</p><p>Isso aconteceu com um cientista chamado Konrad Lorenz, que estudava biologia, psicologia e o que mais tivesse pela frente, e que um dia, tal como o Tom, viu chocar um ovinho de ganso.</p><p>Bem, o histórico de Lorenz não era muito bom (com alguns estudos voltados a descobrir se "híbridos germânico-polacos" tinham a mesma capacidade de trabalho que ditos "alemães puros", aquele nazisminho básico). Ainda assim, o ganso lhe deu uma oportunidade de ressignificar sua obra, porque assim que nasceu, começou a seguir o cientista alemão.</p><p>O cientista não tinha penas, não tinha os dedos dos pés grudados (que eu saiba), nem tinha qualquer outra característica que o tornasse parecido com uma gansa. O gansinho o via como mãe porque precisava de uma e o homem calhou de estar por lá.</p><p>De tanto ser seguido pelo gansinho, Lorenz pensou "esse filho da puta deve achar que eu sou a mãe dele", e a partir daí criou a teoria do imprinting, que tenta explicar como alguns comportamentos são instintivos. </p><p>Não há indícios de que Lorenz tenha dividido o prêmio Nobel que recebeu com o gansinho. Que mãe mais narcisista!</p><p>--</p><p>Gosto de pensar nessa descoberta como uma boa explicação de por quê algumas pessoas são atraentes para a gente. Amar é instintivo, e a gente não passa de um bando de gansos ingênuos que só não nasceram ontem porque nasceram agora mesmo.</p><p>Como é forte nossa capacidade de projetar no outro aquilo que a gente precisa.</p><p>Passa na sua frente uma pessoa com um bom emprego? Finalmente alguém capaz de cuidar de si mesmo e que não vai dar trabalho! </p><p>Passa um cara com o sobrinho no colo? Deve ser um homem de família, a pessoa certa pra casar e ter filhos. </p><p>A pessoa mostrou muito pouco, o resto veio do nosso olhar, da nossa necessidade de encontrar alguém com aquelas características. Se a pessoa vai ser aquilo ou não, só se descobre muito tempo depois, muitas vezes num consultório de psicologia ou num escritório de advogado.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Talvez por isso seja tão natural olhar pro passado da própria vida amorosa e pensar "como eu consegui amar AQUELA pessoa?". </p><p>Aquilo que hoje é constrangedor não era mais atraente no passado - a nossa necessidade que mudou, e deixamos de olhar a pessoa com os mesmos vazios de antes. Hoje, o molde que a gente precisa preencher é outro.</p><p>Conhecer alguém por pouco tempo e sentir que a pessoa é feita pra você é, simplesmente, olhar para alguém que a gente sente que pode nos dar afeto e teimar muito, muito que ela é essencial pra sua vida. </p><p>Curiosamente, essas pessoas também costumam lembrar muito nossas mães.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-19895043941110079682023-10-04T17:34:00.003-03:002023-10-04T17:34:38.139-03:00Presentinho, presentão<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKAlEQqOetH-VnsfTGC7jlG3tkbbcWhc_5NnQRJhtnzlHZCZl6PzbgOA396A7rfBeIeIu8KR7djDEXESqMnmQAr4gDHvrSuRq_D6QM43aRR9wgxjLFgKXWO7H3-xZOPOwndfjTe18vIV2AVlSiy4TTIegO1TeC2ojd_rb_Eb8YvGv-P7gCqQkX1w/s1080/presen.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKAlEQqOetH-VnsfTGC7jlG3tkbbcWhc_5NnQRJhtnzlHZCZl6PzbgOA396A7rfBeIeIu8KR7djDEXESqMnmQAr4gDHvrSuRq_D6QM43aRR9wgxjLFgKXWO7H3-xZOPOwndfjTe18vIV2AVlSiy4TTIegO1TeC2ojd_rb_Eb8YvGv-P7gCqQkX1w/s320/presen.jpg" width="320" /></a></div><p><br /></p><p>Autoestima, lei n.º 1: Todo ser humano merece a chance de se sentir um presentinho.</p><p>Uma pessoa aprende a gostar de si mesma quando é amada no momento em que não tem nada a oferecer.</p><p><br /></p><p>Normalmente acontece quando criança: você chora, faz cocô na calça e, de alguma forma, sabe que isso é chato pra caramba. De algum jeito primitivo, você sabe que seria mais fácil te largar no mato pra virar comida de lobo guará, mas não é isso o que acontece. Alguém te pega no colo, limpa seu bumbum fedorento e fala que você é a coisa mais fofa de meu deusinho.</p><p><br /></p><p>Você aprende, então, que algum valor intrínseco você deve ter. Uai, se até seu cocô essa pessoa aplaude, você deve ser muito incrível mesmo.</p><p>Fica marcado no fundo do peito: Eu sou um presentinho.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Autoestima, lei n.º2: Nenhuma pessoa deveria se sentir um presentão.</p><p><br /></p><p>Ouvi outro dia a história de uma moça que ouvia música muito, muito alta, a ponto de incomodar a vizinhança. Seu vizinho, que me contou a história, criou coragem e foi até a casa dela.</p><p>Chegando lá, viu que a caixa de som, além de estar no último volume, estava virada para o lado de fora da janela, mandando a música pra a rua em vez de pra dentro da casa. Quando perguntou o porquê disso, a vizinha respondeu:</p><p>"Querida, eu estou ajudando os outros! Nem todo mundo tem caixa de som, as pessoas querem ouvir música!"</p><p><br /></p><p>Olha lá, o presentão. Uma pessoa com a certeza de que todo mundo quer exatamente o mesmo que ela, vivendo a plenitude de pensar que seu gosto é a régua absoluta do bom senso.</p><p>Faltou uma medida saudável de reprovação pra essa pessoa baixar a bolinha e aprender que apesar de ela ter algum valor intrínseco, nem tudo o que ela faz é maravilhoso e vai ser aprovado.</p><p>Uma pessoa madura sabe que nem tudo o que tem a oferecer é desejável. Negar isso não é ter boa auto estima, é falta de noção.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Autoestima, lei n.º 3: tudo bem achar que quem sai perdendo é quem não te quer por perto.</p><p><br /></p><p>Equilibrar-se entre sentir que é um presentinho só por existir e aceitar que nem tudo o que se faz é uma maravilha é um esforço pra toda vida.</p><p>Inclusive quando a gente está sozinho. A grande (e difícil) sacada é saber reconhecer o próprio valor mesmo quando a gente sabe que não está no momento mais admirável da própria existência.</p><p>Saber que nosso cocô também fede mas que a gente também tem alguma graça, encontrar a própria turma, onde se é bem quisto mesmo não sendo o ideal de flor que se cheire.</p><p><br /></p><p>Mesmo sem ilusões de perfeição, melhor ficar onde se é bem vindo.</p><p>O presente é seu e você dá pra quem quiser. </p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-36213538167511537652023-09-13T19:53:00.003-03:002023-09-13T19:53:26.807-03:00Aprenda com um barulho desses<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBNSwqOKCp9GHtuUyt5sgr3Vh2KSbu-x3nTsYF5m_Zt8Mnxy4wpTCwtQ2PSfyyNtJrKsY6zFw7TN-2VnG-TcleT3T_48jo3pSj-PFGYfG7cs3XSnxB8H8pnjIzwl9RH45QtAnIwCGJugVgWSPeP6BjiQJ_b2fJhW6QLhwLuJg3zyC78LcSlisSJw/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBNSwqOKCp9GHtuUyt5sgr3Vh2KSbu-x3nTsYF5m_Zt8Mnxy4wpTCwtQ2PSfyyNtJrKsY6zFw7TN-2VnG-TcleT3T_48jo3pSj-PFGYfG7cs3XSnxB8H8pnjIzwl9RH45QtAnIwCGJugVgWSPeP6BjiQJ_b2fJhW6QLhwLuJg3zyC78LcSlisSJw/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Depois de passar um tempo mais recolhido, tomando café sozinho e pensando na vida, voltei a convidar alguns amigos pra compartilharem o café comigo.</p><p>A vítima da vez foi um amigo que terminou o mestrado recentemente e já estava engatado num projeto de doutorado, enquanto tentava equilibrar escrever uma porção de artigos com receber um qualquer-coisa por hora numa faculdade particular.</p><p>"Eu precisava tomar vergonha na cara e tentar um mestrado também, sabe?", eu falei.</p><p>"Pra quê?"</p><p>"Ah, acho que as pessoas respeitam mais o que a gente sabe..."</p><p>"Mas você tá precisando de mais respeito?"</p><p>"Não, na verdade não...", pensei um pouquinho, "mas aprender sempre é bom, né?"</p><p>Meu amigo chacoalhou de leve a caneca na mão, remexendo a borra do café no fundo pra ver se enxergava um futuro diferente, e meteu a seguinte:</p><p>"Flávio, a coisa que eu menos fiz no meu mestrado foi aprender."</p><p>--</p><p>Compartilho esse diálogo pra me sentir mais confortável com não ir fundo na carreira acadêmica? Sim, um pouquinho.</p><p>Mas também porque, francamente, a situação pra quem quer aprender algo tá foda.</p><p>Uma outra amiga está sei lá em qual pós-graduação - já foram várias. Mais ou menos a cada ano ela me confessa:</p><p>"Ai, eu tô com uma vontade de aprender! Mas assim, quero sentar numa sala de aula, olhar um professor bom falando e só absorver o conhecimento". </p><p>Também gosto muito da ideia de ser como uma plantinha no sol e receber passivamente conteúdos maravilhosos que transformam a nossa vida, mas mesmo isso não parece muito fácil.</p><p>Das várias pós- graduações que minha amiga fez, ela disse que teve momentos assim só umas três vezes. Não me parece valer o esforço de passar todo fim de semana numa sala de aula.</p><p>Ainda assim, ela está crente que na próxima vai dar boa.</p><p>--</p><p>O conhecimento está em crise. Não sei se tem como o conhecimento não estar em crise, porque eu não conheço o conhecimento tanto assim, mas a sinuca está brava.</p><p>Talvez um curso menos formal, que você achou na internet? Você pesquisa um pouco o currículo do professor e ele é formado na Universidade Nazigermânica do Norte da Argentina. Deixa pra lá.</p><p>Fazer um caminho independente e só ler uma pilha de livros diferentes, pra tentar angariar o máximo de conhecimento possível? Parece bom, mas quem valida isso? Não dá pra botar "li Melanie Klein e Jorge Amado e achei algo interessante entre os dois" no currículo sem que uma instituição carimbe que você realmente leu aquilo e pôde achar alguma coisa.</p><p>Ficar conscientemente longe do desejo de aprender alguma coisa? Não dá. Depois que você tem consciência que não sabe nada, saber nada fica muito desconfortável.</p><p>Não tem pra onde fugir. Aprender alguma coisa é intimamente ligado a não ser validado ou a estar sujeito a algum risco. Ainda bem que a curiosidade é potente o suficiente pra nos fazer aguentar esse sufoco.</p><p>--</p><p>Ainda assim, o maior perigo dessa frustração em querer aprender é o de desistir e achar que o próprio conhecimento não tem valor algum. Sempre há algo a somar, sim, mas se você quer tanto aprender... Alguma coisa você deve estar fazendo de certo.</p><p>É por isso que vou lançar meu curso APRENDENDO NO TIK TOK, com o módulo especial "Vi num vídeo em que alguém mencionou um estudo". Vamos aprender muito juntos.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-2462314688377729422023-08-09T11:21:00.005-03:002023-08-09T11:21:38.597-03:00Emoção nenhuma<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizdwajpf_gOC7f5eVmn02zng6RJELqV6fchxkuD6MS4rdz8MV-Q4Zm3dqAiYB1BGyv1N7A7R8KB4eaAqFQyIUTH8I7E08GP9_jmpPOBi4AOL3d3Kxe9gMmvWB5i_1zVmmOD2TQXwqPc7-fVgepjz9qLb9QrSh-ZQjEViYCh3DXsXF8G7j_RddO2Q/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizdwajpf_gOC7f5eVmn02zng6RJELqV6fchxkuD6MS4rdz8MV-Q4Zm3dqAiYB1BGyv1N7A7R8KB4eaAqFQyIUTH8I7E08GP9_jmpPOBi4AOL3d3Kxe9gMmvWB5i_1zVmmOD2TQXwqPc7-fVgepjz9qLb9QrSh-ZQjEViYCh3DXsXF8G7j_RddO2Q/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Eu andava desconfortável de encontrar velhos amigos, e não era nem por falta de gosto. Minha personalidade é de cachorro labrador e eu fico muito contente de cruzar com qualquer amigo, ainda que mesmo os mais íntimos ofereçam alguma resistência quando eu tento lhes cheirar o traseiro.</p><p>O que me pegava é que, depois de eu cumprimentar efusivamente a pessoa, o momento feliz era imediatamente fatiado pela pergunta: "E aí, o que você tem feito?".</p><p>Que terror, gente. Eu não tenho feito nada. A última vez que eu fiz alguma coisa foi lá por volta de 1996, e foi contra a minha vontade.</p><p>--</p><p>Isso deixou um grilo na minha cabeça que eu não conseguia deixar de lado. Achei até que chegou a hora de ter uma crise de meia-idade, mesmo achando que ainda não cheguei lá. </p><p>Eu precisava de emoção. Eu sempre corri em mil direções diferentes, como assim eu estava satisfeito com simplesmente deixar um dia vir atrás do outro? Eu pre-ci-sa-va chacoalhar o coreto. </p><p>Aí que morava o desafio: mudar o quê, se eu até que tô bem? </p><p>Mudar de carreira? Eu gosto do que eu faço!</p><p>Mudar de casa? Agora que eu acabei de resolver a goteira no registro do banheiro?</p><p>Mudar de relacionamento? Os homens são todos iguais, e o meu toma banho. Pra mim tá bom.</p><p>Percebi que a monotonia não era o problema que parecia ser. </p><p>Quando a minha vida era cheia de novidades, era porque eu não tinha outra opção. Era lidar correndo com o que aparecia e torcer pro futuro ser melhor. Enquanto eu tava na correria, com o que é que eu sonhava? Justamente com a vida monótona, segura e confortável que eu tenho hoje.</p><p>A pessoa inquieta em mim não deixou de existir. Eu só tive, pela primeira vez, a oportunidade de me sentir satisfeito -- e a satisfação é um pouco enfadonha mesmo. Não por isso é menos importante.</p><p>--</p><p>Por isso eu fico intrigado com quem viaja o mundo à procura de emoção. A pessoa já não tem problemas de verdade? Vai juntar meses de salário pra me jogar de uma ponte, presa só por um fio de fone de ouvido? Não, não. Não é pra mim.</p><p>Eu já passo pela rua escura de um cemitério quando volto do supermercado à noite. É emoção suficiente. </p><p>A única sensação extrema que eu busco é a de paz. </p><p>Um dia ainda me confundo e tento comprar um pacote turístico numa funerária, só porque li "Descanse em Paz" no letreiro.</p><p>--</p><p>Quer dizer, eu até entendo essas pessoas mais intensas. </p><p>Às vezes a pessoa já saturou de estabilidade. Talvez more na mesma casa há trocentos anos, trabalhe com os mesmos problemas há muito tempo e precise de uma injeção de adrenalina na própria vida. </p><p>Só isso explica quem vai lá e compra uma moto.</p><p>--</p><p>No fim das contas, todo mundo procura aquilo que sente falta. Os cansados querem paz, os entediados querem movimento e os meio térmicos querem o meio termo.</p><p>O quanto a gente vai ser atendido no nosso desejo é que escapa da nossa escolha, mas tanto a adrenalina quanto a monotonia são inevitáveis. </p><p>E a vida, vai fazer o quê, oscila. </p><p>Pelo menos assim todo mundo fica contente (por mais ou menos 30% do tempo).</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-9284965822165064722023-07-26T22:03:00.003-03:002023-07-26T22:03:30.353-03:00Um obituário muito íntimo para Sinead<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiG9ikwL5sWXuNzvgyOH24WLIl0uXZ-HFDrYpDGLW10d6FE4jocJbJh1ImAx1nB4woz1n7ihRkcsPRbQZKEaqvWFCMHulW6Y-yK0HCJMzSLqF8wn_eZjzFciORVh1ZW8p3z1D61SKIogSmUFwU2cLyeASwLDnrRgwIFaYHCN9JPfHm9EdvtB9FOuA/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiG9ikwL5sWXuNzvgyOH24WLIl0uXZ-HFDrYpDGLW10d6FE4jocJbJh1ImAx1nB4woz1n7ihRkcsPRbQZKEaqvWFCMHulW6Y-yK0HCJMzSLqF8wn_eZjzFciORVh1ZW8p3z1D61SKIogSmUFwU2cLyeASwLDnrRgwIFaYHCN9JPfHm9EdvtB9FOuA/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p><br /></p><p>Francamente? Eu gostaria de escrever menos obituários. Acontece que a morte de alguém por quem eu tenho carinho sempre me balança e me dá vontade de falar da pessoa, como quem tenta estender um pouco a presença dela no mundo.</p><p><br /></p><p>Hoje morreu a Sinead O'Connor, cantora e compositora irlandesa.</p><p>Um amigo me mandou mensagem contando que lembrou de mim na hora que viu a notícia. Fiquei feliz com a lembrança. Me identifico com ela faz tempo.</p><p>Primeiro, porque ela fez parte do meu gênero musical favorito (mulheres que gritam enquanto tocam violentamente um instrumento). Segundo porque ela foi, querendo ou não, uma militante da loucura - do jeito que eu gosto de pensar que sou.</p><p>--</p><p><br /></p><p>Quase toda vez que o nome dela aparecia na mídia era insinuando que ela estava louca.</p><p>E, de fato, ela era. Louca diagnosticada, com algumas internações ao longo da sua vida e uma série de atitudes esquisitas para quem vê de fora.</p><p>O inspirador, para mim, era como ela não parecia querer disfarçar seu sofrimento mental. Ela sempre pareceu ter certeza de que tinha direito de estar nesse mundo tanto quanto qualquer pessoa que bate bem da cabeça.</p><p><br /></p><p>Quando ficou revoltada com o abuso infantil que ocorria sob a proteção da igreja em que cresceu acreditando, rasgou uma foto do papa em um programa de televisão ao vivo. Jogou sua carreira fora, mas o tempo a inocentou: a pedofilia que ela denunciara realmente existia e tornou-se um escândalo público anos depois.</p><p>A louca tinha razão.</p><p><br /></p><p>Depois, na busca de conexão com algo espiritual que desse sentido à sua vida, gravou algumas canções cristãs, depois algumas meio new age, com o jeito de quem quer mostrar pro mundo que encontrou a paz.</p><p>Durou pouco.</p><p>Uma vez, terminou um relacionamento que a deixou tão marcada que ela mandou tatuar as iniciais do nome do ex na bochecha. Ficou um bom tempo com isso estampado na cara, como quem não tem vergonha da loucura que fez.</p><p><br /></p><p>Falava abertamente da criação violenta que teve e de como se sentia insuficiente como mãe.</p><p>Depois, novamente na busca de conexão com algo espiritual que desse sentido à sua vida, mudou de nome e converteu-se ao Islã.</p><p>Depois perdeu um filho para o suicídio.</p><p><br /></p><p>Não sei como foi sua busca de conexão com algo maior depois disso.</p><p>Não sei se há algo maior do que perder um filho dessa maneira.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>O que mais me impressionava nela era sobre como ela conseguia, como ninguém, escrever sobre um sentimento muito específico: o de ser difícil de amar.</p><p><br /></p><p>Em várias canções ela abria o coração sobre como se sentia um peso para quem ousasse amá-la, como gostaria de ser amada apesar das dificuldades que sua instabilidade impunha e como se sentia hipócrita por também ter suas condições na hora de amar.</p><p>Falar assim sobre as próprias inseguranças é a maior coragem que uma pessoa pode ter. É coisa de louco mesmo.</p><p><br /></p><p>Vai em paz, Sinead. Não foi difícil te amar.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-21942290033471974872023-06-25T22:29:00.002-03:002023-06-25T22:29:22.739-03:00O terrível caso do empreendedor empolgado<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgY4G5tr_GvV9qYYLv1HlVfsqxHOIAvCpxxZqnKV16mEQVdUqEUpVyfJGC2GP9CUe4pbqWS7b1pGVJ8c7mBQn3JqtPBNhVLx6y-Tm60-gp3titlPf8lAUfhJPcF_31BxDjp_tARQD_o5pUtRiOPjjr3mzDWi725PyXdvEoo9cHN5kGTQbGPFDjp_w/s1080/O%20HORR%C3%8DVEL%20CASO%20DO%20EMPREENDEDOR%20EMPOLGADO.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgY4G5tr_GvV9qYYLv1HlVfsqxHOIAvCpxxZqnKV16mEQVdUqEUpVyfJGC2GP9CUe4pbqWS7b1pGVJ8c7mBQn3JqtPBNhVLx6y-Tm60-gp3titlPf8lAUfhJPcF_31BxDjp_tARQD_o5pUtRiOPjjr3mzDWi725PyXdvEoo9cHN5kGTQbGPFDjp_w/s320/O%20HORR%C3%8DVEL%20CASO%20DO%20EMPREENDEDOR%20EMPOLGADO.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Da pandemia pra cá tem aparecido um tipo muito específico de empreendedor na vizinhança.</p><p>É sempre assim: abre-se uma bodeguinha qualquer. A estética do estabelecimento fica no ponto exato entre "vou caprichar pra ficar chique" e "o meu FGTS tá acabando". Vá lá, tem seu mérito. </p><p>Ao entrar na loja, você é atendido por um cara entre seus quarenta e cinquenta anos. É este o espécime que me fascina.</p><p>Ele não parece um dono de lojinha de bairro. A energia que ele transmite é diferente, de quem passou bastante tempo trabalhando em outra área. </p><p>Ele tem aquele olhar de gerente de banco, de quem provavelmente trabalhou em algum cargo mais ou menos alto a vida inteira e, afetado por esses passaralhos inevitáveis, se viu sem emprego.</p><p>Mas calma! Ele não quer sua compaixão.</p><p>--</p><p>Ele, que com certeza que ele se chama Gerson ou algo do tipo, não deixou a demissão lhe abalar. Ele podia estar por baixo, mas ia dar um jeito de recomeçar a sua vida. Ele não acredita em vitimismo. Ele acredita em esforço, trabalho duro e é contra o mimimi. Ele ouve podcasts de milionário pra estimular o cérebro. </p><p>Ele se emociona assistindo o Luciano Huck. Se ele fosse uma cor, seria laranja Itaú. Ele sabia que era questão de tempo para ele encontrar outra coisa pra fazer da vida.</p><p>Um dia, enquanto estudava o no livro Seja F*da!, teve uma epifania e finalmente decidiu: era hora de virar o próprio chefe.</p><p>--</p><p>Tá bem, vou parar de chutar quem tá por baixo. </p><p>O cara tá fazendo o que pode e, sinceramente, a pessoa tem todo o direito de ter a personalidade de uma parede cinza. </p><p>O que me incomoda é que esse cara nunca trabalhou atendendo pessoas na vida. É visivelmente a primeira vez em que não há uma secretária ou um estagiário pra fazer o trabalho sujo por ele. Acolchoado por uma vida de privilégios, ele ainda não aprendeu que atender o público é horrível. </p><p>Um desses caras literalmente gritou UHUL quando eu entrei na lojinha dele. Nunca vi alguém tão feliz por ver alguém comprar cem gramas de banana passa.</p><p>Ele quer tanto mostrar que é um empreendedor foda que trata cada cliente com o maior entusiasmo que um ser humano já teve fora de um carnaval. </p><p>Ele me trata como um velho amigo: "Fala, amigão! Tudo azul??". </p><p>Ele sorri como se fosse o gato da Alice, se o gato da Alice tivesse levado um choque elétrico. Ele ensacola minhas compras falando muitos decibéis acima do necessário.</p><p>"Comprando um docinho pro café da tarde?" - ele faz a pergunta óbvia com o astral de um palhaço que caiu numa duna de cocaína.</p><p>"Sim", eu respondo.</p><p>"Boa! Boa! Estamos à disposição!!! Qualquer coisa passa aqui!"</p><p>Eu pago. Quando estou quase passando da porta, ainda dá tempo de ele meter um "Abraço, amigão!"</p><p>Ele tem certeza que está me atendendo bem. Ele tem certeza que ele é o melhor vendedor que já pisou nesse país. Ele é o Elon Musk da banana passa.</p><p>Eu saio da loja exausto, violado pelo ânimo positivo daquele homem. </p><p>--</p><p>De vez em quando, ele reclama que nenhuma funcionária pára no emprego, que é difícil achar alguém bem disposto pra trabalhar, que quando contrata alguém precisa ficar pedindo pra sorrirem mais.</p><p>Eu entendo que meu pessimismo contamina um pouco a minha visão. Ultimamente, se eu vejo o olho de alguém brilhando eu já torço pra ser uma lágrima.</p><p>Eu não quero ser atendido por alguém que já pisou em brasas num curso de coach. Quero entrar numa loja e trocar aquele olhar cansado de "Sexta-feira não chega nunca, hein?" com alguém que também suspira na frente do espelho em casa antes de sair pra trabalhar.</p><p>Alguma coisa não me soa sincera na alegria daquele homem.</p><p>--</p><p>O duro é que os meses passam e eu vejo o estoque de entusiasmo do homem acabando.</p><p>O sorriso de Narcisa Tamborindeguy dá lugar a um outro, que não consegue disfarçar a angústia que surge. Ele inventa alguma promoção pra tentar estimular o movimento, que tá fraco.</p><p>Depois a testa vai franzindo. O bom dia vai perdendo o volume. O homem começa a sentar num banquinho atrás do balcão. </p><p>"Não dá pra dar certo num país com tanto feriado", ele reclama. </p><p>Desse dia pra frente eu não consigo mais tirar sarro daquele homem. Ele agora é um fodido como eu, estamos de igual pra igual. </p><p>Finalmente um pouco de sinceridade aparece e eu fico mais tranquilo de entrar na loja dele. Eu quase sinto falta do entusiasmo excessivo que ele tinha. </p><p>Meu amigo desempolgado, espero de verdade que as coisas melhorem pra você. </p><p>Mas que eu fico aliviado de você parar de acenar e gritar "Opa!" pra mim toda vez que eu passo na frente sua da loja, eu fico mesmo.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-77127016870290446872023-06-19T12:57:00.008-03:002023-06-19T12:57:52.776-03:00Ambiguamente te amo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWmBwJMPJtICvOYh-2zZ8N92Ie5D5VCUSxGb49Z9DT0o_BcffB7hXQUM6GotQP8ri48v7Eups4WR7eNAukYlQ_jYmpBASVRRUvCgwYZRV03Zck0Jc9aoUS7FLt1V8M5Dcjg55lN49CyuhBYwgOJX3UhFbyoP63J4p9I65zopXvb_-qXW4SS4F0Qw/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWmBwJMPJtICvOYh-2zZ8N92Ie5D5VCUSxGb49Z9DT0o_BcffB7hXQUM6GotQP8ri48v7Eups4WR7eNAukYlQ_jYmpBASVRRUvCgwYZRV03Zck0Jc9aoUS7FLt1V8M5Dcjg55lN49CyuhBYwgOJX3UhFbyoP63J4p9I65zopXvb_-qXW4SS4F0Qw/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Eu me divirto TANTO no Dia dos Namorados com as declarações de amor que deixam transparecer o cansaço dos pombinhos:</p><p>"Dia de declarar meu amor por essa pimentinha azeda que me tira do sério como ninguém, minha birrentinha que eu amo tanto", ou</p><p>"Feliz dia dos namorados para essa pessoa que eu amo mesmo quando a gente não se acerta, mesmo quando me trai e mesmo quando me deu duas facadas na barriga quando discutimos depois daquele show do Metallica.</p><p>É uma carta afetuosa e um puxão de orelha ao mesmo tempo. Arte pura.</p><p>--</p><p>Há quem diga que essas mensagens são sinais de um relacionamento tóxico, mas relacionamentos abusivos e relacionamentos difíceis são duas coisas bem diferentes e é preciso saber diferenciar. </p><p>Que bom que a sociedade chegou num ponto em que estamos atentos aos sinais de toxicidade em relacionamentos, mas o papo é sim um pouco diferente quando se trata de ficar com alguém por bastante tempo.</p><p>Já vi bastante gente chegar na terapia com medo de comentar que decidiu dar mais uma chance ao relacionamento depois de uma briga feia.</p><p>Mas conhecer alguém profundamente envolve interagir com os - inevitáveis! - aspectos tóxicos daquela pessoa. </p><p>--</p><p>É no jeito que a pessoa lida com esses aspectos dentro de uma relação que se revela o quanto vale a pena ficar. </p><p>Isso nem sempre vai ser uma decisão fácil, e às vezes, no cuidado para não jogar algo bacana fora, pode acontecer de se tolerar o intolerável até entender bem o que se passa ali.</p><p>Mas é natural do jogo: a construção de um relacionamento é coisa difícil e delicada demais pra ser tratada com leviandade.</p><p>--</p><p>Um relacionamento que é <b>só</b> dificuldades é um relacionamento que pode não ser a melhor opção, mas um relacionamento que <b>tem</b> dificuldades, mesmo que grandes... é só um relacionamento. E óbvio, se existe violência, ameaça, chantagem emocional, melhor pular fora.</p><p>Agora, é impossível ter qualquer coisa grande na vida sem um pouco de ambiguidade. Ninguém passa 40 anos num emprego sem ter pensado em pedir demissão em algum momento.</p><p>Não tem como ficar oitenta anos ao lado de alguém, olhar para a pessoa e falar "Nossa, não enfrentamos dificuldade nenhuma nesses anos!". Não teria nem graça.</p><p>Por isso, vou passar de pano para as declarações de amor que deixam escapar um pouco do sufoco que é estar num relacionamento. </p><p><br /></p><p>A ambiguidade é inevitável. Decidir ficar, dia após dia, mesmo quando a convivência não é fácil, tem um valor e tanto. Melhor do que fingir que tá tudo perfeito, né? Se existe amor e respeito na maior parte do tempo, há motivos pra comemorar.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-53472741082079779422023-05-24T12:49:00.001-03:002023-05-24T12:49:11.691-03:00Falo no Ouvido EP 03: Meu chefe me odeia mas amo meu trabalho<p><b></b></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><b><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikVk0T-u_maZGsDoWlFEN58SFKfOVk3wR53uSiyLJ-UilWCK_TvePWF909RAK2JQ4R1qtYsN8e_FBqX4DRA10xT-kvBXr5IQNT0FosVnK-SrL8AaSEvGo-2ETrB7NC6Z_Pg3mBytS0hp5OgM7ViAQ1kqghnDWJ6z_5_9aLc_ekRgYSZxO9Dro/s400/37347686-1681601348776-b1760dd20fb9.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="400" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikVk0T-u_maZGsDoWlFEN58SFKfOVk3wR53uSiyLJ-UilWCK_TvePWF909RAK2JQ4R1qtYsN8e_FBqX4DRA10xT-kvBXr5IQNT0FosVnK-SrL8AaSEvGo-2ETrB7NC6Z_Pg3mBytS0hp5OgM7ViAQ1kqghnDWJ6z_5_9aLc_ekRgYSZxO9Dro/s320/37347686-1681601348776-b1760dd20fb9.jpg" width="320" /></a></b></div><b><br />Nesse episódio:</b> <p></p><p>"Eu trabalho em uma empresa há dois anos e sempre me dediquei muito ao meu trabalho. Foi assim que consegui uma mudança de setor com uma promoção que era um sonho pra mim. Achei que ia ser a fase mais legal da minha vida, ganhando um salário maior e com uma função que me desafia mais. O que está atrapalhando é meu novo chefe. Eu nunca tive problema com colegas de trabalho antes, mas ele é muito estúpido. Eu acho que faço um bom trabalho, mas ele vive me criticando e gritando comigo na frente dos meus colegas. Eu sei que não sou perfeito, mas às vezes eu sei que fiz as coisas certas e ainda assim ele explode comigo. Ele não é assim com meus colegas, pelo menos não tanto. Eu não aguento mais essa situação. Eu choro antes de ir pro trabalho todos os dias, mas esse era o meu sonho. Não queria ser incapaz de manter esse emprego."</p><p style="-webkit-tap-highlight-color: transparent;"><b>Para ouvir: </b></p><p style="-webkit-tap-highlight-color: transparent;"><a href="https://podcasts.google.com/feed/aHR0cHM6Ly9hbmNob3IuZm0vcy9kZjM0YTI1OC9wb2RjYXN0L3Jzcw/episode/MjkwMjgzYTAtNzI0Yi00NWFmLTkxZWMtZTM3NWE3YjE3ZjEw?sa=X&ved=0CAUQkfYCahcKEwjAqq27po7_AhUAAAAAHQAAAAAQAQ">Google Podcasts</a></p><p style="-webkit-tap-highlight-color: transparent;"><a href="https://podcasters.spotify.com/pod/show/falo-no-ouvido/episodes/EP-03-Meu-chefe-me-odeia-mas-eu-amo-meu-trabalho-e24i9kn">Spotify</a></p><p style="-webkit-tap-highlight-color: transparent;"><a href="https://www.youtube.com/watch?v=A2H5RzAsIhs">YouTube</a></p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-31683512224845403962023-05-24T01:54:00.003-03:002023-05-24T01:54:13.622-03:00Rodízio de Filho<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj49gR3tqmR5yf_WJu2UrRicmiOZIZ_8s2JZhVldHoLJU8vtDZF7MqB3bMU5nRqxcKP2cKMokPVSjyZvNAm0j72siSo7sRKGcuM4s_15IMetpHVfaIYz6-Fnmk4MXTWkk5LgmbQlw2pgL3dEPYg7pCMpRD51U3tXyBnmtpXcXJX28-lMw2IYoo/s1080/1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj49gR3tqmR5yf_WJu2UrRicmiOZIZ_8s2JZhVldHoLJU8vtDZF7MqB3bMU5nRqxcKP2cKMokPVSjyZvNAm0j72siSo7sRKGcuM4s_15IMetpHVfaIYz6-Fnmk4MXTWkk5LgmbQlw2pgL3dEPYg7pCMpRD51U3tXyBnmtpXcXJX28-lMw2IYoo/s320/1.jpg" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Qualquer um que já viu uma de perto sabe: criança cansa a gente. Elas gritam, elas fazem cocô e elas sabem exatamente qual gaveta abrir pra rasgar justo a escritura daquele terreno pelo qual sua família briga há anos.</p><p>Tempos atrás, esse desgaste era compartilhado entre várias pessoas ao redor da criança: pais, tios, avós, os gerentes da fábrica em que a criança trabalha; uma aldeia. </p><p>Agora a criação está bem mais cada um por si, e isso assusta. Mesmo quem gosta da ideia de ter filhos tende a pensar duas vezes, com medo do vendaval de gastos e do trabalho interminável que nasce com um bebê. </p><p>--</p><p>Pois eu proponho uma mudança: vamos resgatar a aldeia em um modelo capitalista.</p><p>Gostaria de apresentar a minha ideia de rodízio de filho. </p><p>É como um groupon de nenê. Alguns casais (ou intrépidos pais e mães solo) se reúnem e optam por adotar, produzir organicamente ou imprimir uma criança em uma impressora 3D. </p><p>Essa criança passa a ser de todos os casais ao mesmo tempo. </p><p>Digamos que o esquema seja entre quatro casais. Cada par fica com a criança por uma semana. Isso é tempo suficiente pra amar, dar carinho, criar memórias afetivas juntos e quase morrer de exaustão. </p><p>Digo quase porque na semana seguinte, a batata quente passaria pra outro casal.</p><p>Cada casal fica responsável pela criança por uma semana no mês.</p><p>--</p><p>Mas Flávio, você não acha que isso vai traumatizar a criança?</p><p>Sem problemas! Eu pensei em tudo. Com oito pessoas responsáveis financeiramente por ela, um bom terapeuta vai ser super acessível. </p><p>E se acontecer de você ser um péssimo pai, sem problemas também! Você só vai traumatizar um quarto da criança. Os outros 75% podem respirar aliviados.</p><p>Você quer um filho e seu/sua parceira não? Tranquilidade pura. Ela pode passar uma semana por mês viajando e nem cruzar com o fedelho. </p><p>Na velhice do grupo multiparental, não vamos sobrecarregar a criança. Ela vai ter oito heranças só pra ela! E quem sabe ela consiga um desconto contratando um plano família no asilo.</p><p>E se eu quiser dar um irmão para o meu filho? Bom, você pode entrar num acordo com os outros membros do consórcio de criança e colocar mais uma pessoinha no esquema, ou entrar num segundo rodízio de filhos com outros casais. </p><p>Organizando bem, todo mundo procria.</p><p>--</p><p>Sim, sim, pode parecer uma grande pataquada, mas eu aposto meu filho (ou a minha cota correspondente) que mais hora menos hora vai sair uma matéria na Veja falando algo como "Multiparentalidade: o coparenting moderniza laços familiares e impulsiona a economia", com um anúncio de uma empresa mais especializada em fatiar criança que o Rei Salomão. </p><p>Talvez mais pra frente os problemas do meu modelo apareçam, e aí a criança vai ficar igual aquele apartamento em timeshare que as pessoas são pressionadas a comprar quando estão em lua de mel: impossível de se livrar e um custo danado.</p><p>Mas, por mais fofas que sejam, vai dizer que toda criança não é assim? Ainda assim, há quem diga que vale o investimento.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-49126777915311976592023-05-24T01:52:00.006-03:002023-05-24T01:52:56.627-03:00Velhos Precoces<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhu0tHARyOy-FFYIwc3FEjaFXRGKrVmjH0dpKy1PxWOBZ8KBTX4_rlnGzkg5M6E80Syv5r8S1yn9-Ww1H51GW3Nocfg6ccKb68KJIopCtbdDfpFJffijow4tLga4wY0LXkvvr45DXluyvA7Mcx9W0-L_HW6aPIrwFvYwHI9H6DR_X-OXbammAU/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhu0tHARyOy-FFYIwc3FEjaFXRGKrVmjH0dpKy1PxWOBZ8KBTX4_rlnGzkg5M6E80Syv5r8S1yn9-Ww1H51GW3Nocfg6ccKb68KJIopCtbdDfpFJffijow4tLga4wY0LXkvvr45DXluyvA7Mcx9W0-L_HW6aPIrwFvYwHI9H6DR_X-OXbammAU/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Um sintoma menos lembrado da depressão é o pensamento mórbido. Veja, não é vontade de morrer com todas as letras: é a lembrança permanente da mortalidade. Você tá bem na sua, andando no shopping e subitamente lembra que vai precisar ser enterrado com alguma roupa, e quando vê, está com lágrimas nos olhos no meio da Renner pensando que vai morrer um dia.</p><p>Cá pra nós, esse não é o único pensamento temático que sinaliza alguma coisa. </p><p>Semana passada completei trinta e três anos, e foi aquela onda de piadinhas de "tá ficando velho, hein?". Ficar velho é um tema tão frequente de piadas que dá pra dizer que se trata de uma obsessão da minha geração.</p><p>Talvez seja porque fomos muito estimulados à precocidade: começamos a ler muito cedo, fomos cobrados de responsabilidades e de conquistas materiais ainda muito jovens. </p><p>Fomos programados para nos sentirmos mais velhos do que somos. </p><p>Resultado: os vinte e cinco, começam as piadas com a dor nas costas e com a falta de disposição para atividades que requerem muito tempo em pé.</p><p>É uma visão muito porca da velhice, porque a velhice é muito mais do que sentir vontade de sentar quando vai passar horas em um evento. Isso é mero desejo de conforto, natural ao ser humano de qualquer idade. Não é como se as pessoas de dezoito anos quisessem fazer rolês desconfortáveis e longos. </p><p>É só que aos dezoito você não tem dinheiro pra outro tipo de lazer, e não vai deixar de aproveitar por conta disso. </p><p>--</p><p>Esse pensamento quase mórbido de "estou velho, hein? kkk" é um sintoma de desesperança. É achar que, um, a velhice é um lugar de decadência, e dois, que a decadência já começou e que não há mais nada a se conquistar.</p><p>Mais do que ter dor nas costas, ser velho é mérito. </p><p>Um mérito que a gente tenta trapacear quando diz que se sente velho aos trinta e poucos. Tá velho agora? E o que você vai sentir aos 40? aos 60? Você realmente acredita que não vai ter nenhum frio de barriga nos anos que lhe restam?</p><p>Querer usufruir da velhice antes da hora é sabotar justamente o que pode ser gostoso nela: viver um trecho de vida sem muita coisa a se provar, podendo se dar a liberdade de fazer o que sempre quis.</p><p>E agora repara nos velhos de verdade: estão dando baile na gente. Quem vê um Ney Matogrosso rebolando aos oitenta anos e não quer ser um pouco assim também? Nem precisa ser no futuro, ter aquela saúde hoje já seria excelente. </p><p>Outra velha ótima é a Rita Lee, e é dela o trecho que quero usar pra terminar esse texto. Vem de uma música chamada Divagando, do último disco dela:</p><p>"O tempo voando </p><p>Passando batido no sentido inverso </p><p>Do meu universo que segue no espaço </p><p>Quanto tempo ainda tenho no mundo? </p><p>Eons? Milênios? Milésimos de segundo?"</p><p>Não sei, Rita, mas não quero esperar sentado. Ainda tem alguma juventude por aqui.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-23850766192181666432023-05-23T01:54:00.001-03:002023-05-24T01:58:27.355-03:00Novo Podcast: Falo no Ouvido<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiqUuA2PpXwV-hdgtOKTkO39hyZYs_-hKIS9zPml3AimmsqW0nfTMlKlzEW948-54ksEreGCfqGkxuH8qeMeAk2EEPTTWgolqfjH-WPXttZX1YYMB5n4J1iUfk3MH0octeYZLXQwy4YyQYzqTlDFMULPyMuxJBBiRfditWZfiaoBW1c7Uqtx4/s400/37347686-1681601348776-b1760dd20fb9.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="400" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiqUuA2PpXwV-hdgtOKTkO39hyZYs_-hKIS9zPml3AimmsqW0nfTMlKlzEW948-54ksEreGCfqGkxuH8qeMeAk2EEPTTWgolqfjH-WPXttZX1YYMB5n4J1iUfk3MH0octeYZLXQwy4YyQYzqTlDFMULPyMuxJBBiRfditWZfiaoBW1c7Uqtx4/s320/37347686-1681601348776-b1760dd20fb9.jpg" width="320" /></a></div><p></p><br /><p>Oi, pessoal!</p><p>Queria apresentar pra vocês o podcast Falo no Ouvido, que estou gravando com meu colega Alisson Segala. </p><p>Nele a gente bate um papo meio psicologia, meio calabresa sobre as histórias que as pessoas nos enviam. </p><p><br /></p><p>1o EPISÓDIO: "Procuro a mulher para casar, mas fujo quando encontro"</p><p>Nesse primeiro episódio, a gente fala sobre a história de um rapaz que até encontra a pessoa com as características que deseja, mas não consegue fazer dar certo. </p><p>No YT: https://youtu.be/AWLJvukbnGI</p><p>No Spotify: https://open.spotify.com/episode/3G5mLyjH1qMJvqaJykRpCn</p><p><br /></p><p>2o EPISÓDIO: "Fiquei com outro enquanto estávamos terminados e agora meu marido desconta no nosso filho" </p><p>No Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=Q8nfD7khBGw</p><p>No Spotify: https://open.spotify.com/episode/3oAWoB9roJuvs1s3bklJQx</p><p><br /></p><p><br /></p><p>No Google Podcasts:</p><p><a href="https://podcasts.google.com/feed/aHR0cHM6Ly9hbmNob3IuZm0vcy9kZjM0YTI1OC9wb2RjYXN0L3Jzcw">Falo no Ouvido (google.com)</a></p><p><br /></p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-6173466465603946352023-04-05T01:50:00.001-03:002023-05-24T01:51:53.871-03:00Artigos de Luxo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjd_fHKUcW_i8PFocT2GWKxJJag-OT3FTpdXu66ZwXL7VZb4G_FNt_gfwhyzo6qzQhmKENiqbRH9pRCXGiOLpg95S7z82vUdIyvdVPKELYgMozKQteXlxPWYELpfsI6KXyUlxVioD5sl2UzS1YM9A-lTsON2tgObBMDYsi6hNvgXdTxFyipmS4/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjd_fHKUcW_i8PFocT2GWKxJJag-OT3FTpdXu66ZwXL7VZb4G_FNt_gfwhyzo6qzQhmKENiqbRH9pRCXGiOLpg95S7z82vUdIyvdVPKELYgMozKQteXlxPWYELpfsI6KXyUlxVioD5sl2UzS1YM9A-lTsON2tgObBMDYsi6hNvgXdTxFyipmS4/s320/1.png" width="320" /></a></div><p><br /></p><p>Quando tinha uns 7 anos, eu ganhei o maior luxo que uma criança da época poderia ter: um estojo de plástico, grande como um caderno universitário, com todos os apetrechos artísticos possíveis. Tinha aquarela, giz de cera, tesoura sem ponta, lápis de cor das mais diferentes cores, só de lembrar eu consigo lembrar do cheiro.</p><p>Mas melhor do que o bem em si era a exclusividade. Graças ao timing da viagem do meu pai daquele ano ao Paraguai, ninguém mais da minha turma tinha um estojo daqueles. Eu estava vivendo a vida grã-fina before it was cool.</p><p>Eu me sentia especial. Único. </p><p>O material escolar era muito bacana, também, e continuou sendo legal no ano seguinte, mas nisso a moda já tinha me alcançado. Vários colegas já tinham um estojo igual e o que antes era um símbolo de ostentação acabou perdendo a graça. </p><p>--</p><p>A indústria do luxo é baseada nessa mesma sensação, se você for ver bem. Coisas luxuosos não são coisas de luxo necessariamente por serem feitas de materiais mais nobres.</p><p>Não, tudo é calculado para fazer coceguinha na exata parte do nosso cérebro responsável que deseja cantar EU TENHO, VOCÊ NÃO TEEE-EEEM! pro coleguinha. </p><p>Ter é bom, mas o outro não ter é um tempero e tanto.</p><p>E foi assim que as pessoas foram comprando carros cada vez maiores até chegarmos em hoje, a época em que um SUV médio tem o mesmo tamanho e consumo de combustível que um microônibus escolar.</p><p>--</p><p>Aqui entre nós, não sou contra isso de ter luxos. Mas se é pra desejar a exclusividade, vamos caprichar: o que é que está em escassez agora? Qual o produto exclusivo personalitté que quase ninguém consegue ter?</p><p>Me perdoem a forçada de barra, mas amizade por aqui anda difícil.</p><p>Talvez seja falta de tempo, mas todo mundo que eu conheço está tentando organizar a agenda pra ter tempo para si. Se falta tempo para si, quanto mais ter tempo para jogar conversa fora!</p><p>Não que me faltem amigos, eu fiz um estoque legal no passado que consegue me sustentar por um bom tempo ainda. </p><p>Mas conviver de perto anda escasso. </p><p>A gente trabalha tanto! E agora, trabalha tanto em casa também. Se no escritório, trabalha com um fone de ouvido. São tantas atribuições solitárias se acumulando que passar um tempo sincero, sem pressa, com alguém é ítem de... bem, luxo.</p><p>Não é à toa que podcasts andam fazendo sucesso. Será que é o conteúdo que a gente quer ou é só vontade só escutar gente conversando, mesmo?</p><p>--</p><p>Outro dia fui tomar um café com uma amiga e em pouco tempo fiquei super inquieto. </p><p>Era alguma coisa lá dentro dizendo que eu não poderia me dar o luxo de ficar horas batendo papo sem me preocupar com a pilha de trabalho em casa. A miséria, amigos, ela gruda na gente. </p><p>Pois eu empurrei a miséria pra longe e pedi mais um café. </p><p>Se antes era luxuoso poder ter tempo a sós num mundo em que a imposição era a interação constante, a joia do momento é conseguir encontrar alguém e conversar a uma distância em que você consiga encostar no braço da pessoa. Fazer uma refeição e ouvir uma história, que fortuna! Se permitir escutar uma história que você já ouviu antes, então? Considere-se um marajá.</p><p>Mas acho que ainda estamos antes da moda explodir. Adquirir um amigo ainda é possível com algum esforço. </p><p>Faça o seu amigo enquanto os estoques estão disponíveis. E usufrua, viu? Meu estojão foi pro lixo e eu nem tinha usado a aquarela.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-72044176449087734662023-03-08T04:13:00.001-03:002023-03-08T04:13:14.708-03:00Figuras inspiradoras: Com Carinho<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfFKfOjSq1S3gmfh8m_34Rjs6k6WnJBM2-xSVQqF6Uo5Hl-AkHsUj0bclv6xtroG5vfOU-oDckri4KLHNIX53C9CkXw-qp-kTOcDRBTzM_Myedd9LPKg-OcUgixBKs5K7xq9gCP7QysKvDBtc3nV7Oh8UAcesv1hwSTG7sC_eZWPlW8k6uIgY/s320/1.png" width="320" /></div><br /><p></p><div><div>Daquelas pessoas que são muito famosas mas que ninguém do mundo real ouviu falar, a Dani Senta com Carinho é das mais interessantes. </div><div><br /></div><div>A mulher é avant-garde. Como uma boa lasanha cultural, ela tem muitas camadas:</div><div>Num primeiro momento, ela é só uma menina normal que dança no TikTok. </div><div>Aí você presta atenção e repara que ela dança, em todos os vídeos, exatamente do mesmo jeito. Primeiro uma requebradinha, depois o coração com as mãos, um sorrisinho com o olhar distante e fim. </div><div>Nisso você já saca que tem algo de mais profundo ali. Não importa a música, a coreografia é sempre exatamente igual. </div><div>Bailarinos do Bolshói não teriam essa capacidade milimétrica de reprodução. Ponto pro Brasil.</div><div><br /></div><div>Mas não fica por aí. Em algum momento, nossa musa começou a dançar de biquíni. As pessoas reclamaram, e Dani começou a usar biquínis cada vez menores. Em um dos vídeos eu tenho quase certeza de que ela está vestindo um fio dental literal, da Johnson e Johnson. </div><div>Quem é Madonna e por que ela escreveu o livro SEX se anos depois chegaria CARINHO, Dani Senta Com, 2023 para dar a o mesmo recado de um jeito muito mais sucinto?</div><div><br /></div><div>--</div><div><br /></div><div>Infelizmente vivemos em um mundo hipócrita e muita gente não aceitou a mensagem radical da nossa futura prêmio Nobel. </div><div><br /></div><div>Mas não esmoreçam, fãs de Dona Senta, ela se reinventou.</div><div><br /></div><div>Yoko Ono já berrou em museus, Marina Abrahamovic faz contatos visuais intensíssimos (como os que eu faço com a moça da padaria quando ela diz que acabou o pastel), mas nenhuma delas chegou ao profundo comentário social que Dani fez quando postou seu mesmo bom e velho vídeo, mas sem vestir o quase-biquíni de sempre. </div><div><br /></div><div>Dessa vez, nossa heroína vestiu uma burca.</div><div><br /></div><div>Não apenas uma burca, mas uma burca improvisada, feita com o que tinha em casa, com uma camiseta do Flamengo por cima. É como quem encapa um Manifesto Comunista com papel adesivo da Hello Kitty, coisa de artista grande.</div><div><br /></div><div>O que ela quis dizer com isso? Não sei, mas deve ser muito profundo.</div><div><br /></div><div>--</div><div><br /></div><div>Mas o que importa é que Dani sabe muito bem qual o seu propósito no mundo. De biquíni, de saia evangélica, de burca ou de qual for seu próximo petardo contra a indústria da moda, ela vai se manifestar - e sempre do mesmo jeito. </div><div><br /></div><div>Mrs. Sits With Tenderness é livre, dança do seu jeito e veste o que quiser. E, além de tudo, ela senta com carinho.</div><div><br /></div><div>Que nome perfeito! Direto ao ponto: diz quem ela é e o que ela faz. É o melhor branding em nossas terras desde o lançamento da cachaça Amansa Corno. </div><div><br /></div><div>E nisso ela também passa um recado importante: que bom que Dani senta carinhosamente. É hora de paz. Chega de violência. União e Reconstrução.</div><div><br /></div><div>Ninguém precisa de uma fratura peniana a essa altura do campeonato. Quem é Kofi Annan perto de uma mensagem potente dessas?</div><div><br /></div><div>--</div><div><br /></div><div>Nem me dei conta que esse texto vai sair em pleno dia da mulher. </div><div><br /></div><div>Quase deixei de postar, porque não era minha intenção fazer deboche com ela nem com a data. Estou realmente fascinado o suficiente com essa moça para estar escrevendo esse texto em plena três da madrugada de uma quarta-feira. </div><div><br /></div><div>Ao mesmo tempo, sem ironia nenhuma, que grande mulher é nossa Dani SCC!</div><div>Se fosse alguma gringa pretensiosa fazendo a mesma coisa no MoMA ela seria aplaudidíssima. Que fique a homenagem não intencional através da Dani mesmo.</div><div><br /></div><div>Que nós tenhamos a cara de pau para ser tão esquisitos e autênticos quanto ela.</div><div><br /></div><div>Se mesmo assim o texto parecer muito raso, imaginem que existe algum contexto por trás disso que só os espertos entendem. Me imaginem escrevendo isso aqui de burca e camiseta do Flamengo. </div><div><br /></div><div>O biquini fio dental eu dispenso. </div></div>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-29370486610495212402023-02-16T04:14:00.001-03:002023-03-08T04:15:52.344-03:00A arte e a ética da fofoca<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0FyV-6LfSOG-P_Jg14rb5yVTymRDFGK1j4avX5MyP0E_zcQdbMxR9rGOBRDcvSnclGLlN9ciY3wqIVkf8QsmWiTDQoq-JXfECXF16dd3JqRYII2EEI1_FA-GRMce14MsXRvdA8Fa1TGqtFtIhZNSBSnfADlgR9lAhXocClbm6I4cAly8kg4M/s1080/331520638_5673960649394067_4608463738701415400_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0FyV-6LfSOG-P_Jg14rb5yVTymRDFGK1j4avX5MyP0E_zcQdbMxR9rGOBRDcvSnclGLlN9ciY3wqIVkf8QsmWiTDQoq-JXfECXF16dd3JqRYII2EEI1_FA-GRMce14MsXRvdA8Fa1TGqtFtIhZNSBSnfADlgR9lAhXocClbm6I4cAly8kg4M/s320/331520638_5673960649394067_4608463738701415400_n.jpg" width="320" /></a></div><p><br /></p><p>Na hora do vestibular, escolhi uma profissão particularmente difícil pra mim. Ouvir pessoas é ótimo, mas eu não sou muito bom com segredos e várias horas do meu trabalho diário precisam ser mantidas em sigilo. Por sorte existe a supervisão clínica, que é um espaço que garante a ética tanto por melhorar a capacidade técnica quanto por permitir que o psicólogo tenha um lugar pra falar de trabalho sem romper o segredo profissional.</p><p><br /></p><p>Eu devia ter sido jornalista. Sempre tive o maior prazer de chegar pras pessoas e contar alguma notícia.</p><p>"Ficou sabendo que a Luisa passou na Federal?" - uma novidade boa é sempre uma alegria de se falar, mas uma tragédia? Hmm, que sabor.</p><p>"Você viu que um avião caiu em cima de um trem que explodiu em cima de um filhotinho de capivara?"</p><p>A pessoa diz que não viu.</p><p>"Foi horrível, tem sangue de capivara na rua até agora". A cara de surpresa do interlocutor dá a mesma sensação gostosa de quando alguém ri da sua piada.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Como sou só um amador na arte de dar notícias, me considero só um fofoqueiro mesmo.</p><p><br /></p><p>O duro é que o fofoqueiro é um ser muito mal compreendido. Fica com a pecha de criar intrigas quando na verdade é só um coração bom que quer levar informação e alegria pro seu povo.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Eu tenho pra mim que tem uma grande diferença entre fofoca e intriga. Intriga eu não gosto. Eu só quero ter duas ilusões na vida: a que todo mundo gosta de mim e a que eu posso gostar de todo mundo.</p><p><br /></p><p>Mas fofoca, fofoca mesmo, é uma coisinha inocente. Tá aqui a diferença:</p><p><br /></p><p>Exemplo 1 - "Você sabia que quando a Taís ficou com o Daniel ele pediu pra ela cagar na boca dele durante o sexo?"</p><p>Essa é uma fofoca clássica. Ela traz o elemento da surpresa, aquele pontinho de absurdo que é capaz de iluminar o dia de uma pessoa.</p><p><br /></p><p>Exemplo 2 - "E o Daniel namorou anos com a Isa, né? Será que ela cagava nele também?"</p><p>Também considero uma fofoca inocente. Sim, tem um elemento de especulação, mas nada definitivo. É um estímulo para a imaginação. Aprovado.</p><p><br /></p><p>Exemplo 3 - "E a Isa agora está namorando o Allan, né? Será que ela caga na boca dele também?"</p><p>Começamos a especular muito longe, e a maldade vai depender das informações disponíveis sobre o Allan. No caso, se alguém comentar que viu ele derrubando um sanduíche no chão, pegando e continuando a comer... A suposição fica mais pesada, mas ninguém está sendo acusado de verdade.</p><p><br /></p><p>Exemplo 4 - "Você sabia que o Allan come bosta?"</p><p>Reprovado. Nesse caso, a cadeia de fatos é longa demais para a fofoca ser inocente. Tem um tom de maldade, gera uma impressão ruim sobre a pessoa. Pode gerar problemas para uma possível parceira mais afoita do rapaz que, no ímpeto de agradar, pode acabar defecando onde não devia.</p><p><br /></p><p>Exemplo 5 - "Allan, o Flávio tá espalhando pra todo mundo que você come bosta!"</p><p>Esse é o pior tipo de fofoca. A pessoa pega uma bala perdida em pleno ar e lhe entrega o endereço de alguém. Isso sim é intriga. Não traz novidades, não oferece um elemento cômico e ainda pesa o ambiente.</p><p><br /></p><p>Quem quer ficar num lugar em que não se pode falar nada de ninguém? Como é que uma amizade vai florescer num terreno desses?</p><p><br /></p><p>As pessoas tem direito ao sigilo sobre a fofoca que contam, pôxa.</p><p>É uma questão de ética</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-12539714994860839262023-01-30T13:12:00.003-03:002023-01-30T13:12:21.114-03:00Pense bem<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrKRIcdDrGa-IbA451DIKTgxAEN59mUmGlfu8r9u3UxT0t8zhur2PViJSL2bpZbX8FiLfNm-QcvLc_-iWxudkW9CdKphT5gejZGxhljO35ZOmoZAc6jZBXSS1nF7T3GJhHqRAls3fGVotwPwfviNpM4eWkdZmETpWw8N0kf-TzsxNVWa8xZ_E/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrKRIcdDrGa-IbA451DIKTgxAEN59mUmGlfu8r9u3UxT0t8zhur2PViJSL2bpZbX8FiLfNm-QcvLc_-iWxudkW9CdKphT5gejZGxhljO35ZOmoZAc6jZBXSS1nF7T3GJhHqRAls3fGVotwPwfviNpM4eWkdZmETpWw8N0kf-TzsxNVWa8xZ_E/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Tenho descoberto os benefícios de pensar.</p><p>Um colega me ligou indignado com algo que outro amigo fez com ele. Desabafou e eu lhe dei toda a razão. Era um absurdo, mesmo. Eu precisava fazer alguma coisa a respeito. Desliguei o telefone na certeza de que ia telefonar para o outro amigo e colocar os pingos nos is.</p><p><br /></p><p>Ensaiei brevemente uma resposta quando minha cama me chamou. </p><p>"Eu tô livre, você também, faz tempo que a gente não fica junto", ela disse - ou talvez não tenha dito e eu só ouvi porque realmente faz tempo que eu não durmo direito.</p><p><br /></p><p>Sentei na cama. Fiz uma preliminar rápida lhe afofando as almofadas e passando a mão pelo edredom macio. Fazia tempo que eu não dava atenção pra minha mais amada companheira. Deitei.</p><p>--</p><p><br /></p><p>O celular falou "Olha pra mim também!", e eu recusei. O livro, que eu sempre tenho ao lado da cama pra fingir semanalmente que eu tenho o hábito da leitura, falou "Já tá na hora de ler seu paragrafinho semanal!". </p><p>Mas não, eu queria ficar sozinho, no máximo com a cama roçando gostoso em mim. Eu tinha um telefonema para digerir.</p><p><br /></p><p>Pensei no que meu colega tinha me dito.</p><p>Pensei no que eu diria ao outro colega.</p><p>Pensei no que diabos eu tinha a ver com a situação.</p><p>Pensei no que aconteceria se eu fizesse algo, no que aconteceria se eu não fizesse nada e no que aconteceria se eu pegasse no sono e acordasse de sonhos intranquilos transformado numa barata.</p><p>Me perguntei o que eu sentia a respeito até que percebi... indiferença. </p><p>Eu não sei quem foi a primeira pessoa a formular que os outros que se resolvam com os problemas deles, mas espero que essa pessoa tenha ganho um prêmio Nobel.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Os resultados foram incríveis: em quinze minutos toda a emoção que eu senti da treta que tinha acontecido se transformou em um intenso foda-se. </p><p><br /></p><p>Eu devia pensar mais. Me fez bem.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>A gente fala muito de pensamento acelerado e da cabeça ansiosa com coisas demais acontecendo.</p><p><br /></p><p>As respostas que aparecem costumam ir para dois extremos distintos: um lado, mais imediatista, quer distração. Toma um TikTik de 30 segundos e depois mais outro, e outro, e você vai esquecer todos os seus problemas - e ainda levar de brinde uma sobrancelha tremelicando.</p><p><br /></p><p>Outro lado, mais zen, quer que você fique em absoluto silêncio: fique numa postura que ressalte todos os desconfortos que uma espinha dorsal humana possa ter e não pense. Pensamento zero. </p><p>A iluminação fica na primeira esquina depois da cabeça limpa.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Proponho um cima do muro radical: e se a gente só pensasse, do jeito que a cabeça faz quando está sozinha? Acredite, eu fui cobaia disso depois de anos sem uma única sinapse útil e sobrevivi. </p><p><br /></p><p>Pensar intencionalmente é horrível, e por isso mesmo costuma ser muito resolutivo. Em meia hora você já não aguenta mais e acaba lavando a louça, depilando a púbis ou respondendo aquele email que está há oito dias na caixa de entrada. </p><p><br /></p><p>Depois disso, volte aos hábitos tradicionais de ficar no celular ou deixar a cabeça vazia. Use da moderação. O último cara conhecido como um Pensador virou uma estátua.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-81228835698746579272022-10-31T22:20:00.009-03:002022-10-31T22:20:48.632-03:00Um gatilho, por favor<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxP0NiCEckoiVjD6714COZ63WfIX6jvTbt-p4kQy5oihcB0Nx0wkpATpA9Oj_8NX6XKc4O0wuoyKkC7gd8RzBWCRgN_7d5dJMxbNQ71hx8docl6uKf9yMdjFXs9isPXaSJp9UYtSVrJg7TPJicedsKdVJt46w752JBO5aaupGKnBKKrfQRpEg/s1080/um%20gatilho,%20por%20favor.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxP0NiCEckoiVjD6714COZ63WfIX6jvTbt-p4kQy5oihcB0Nx0wkpATpA9Oj_8NX6XKc4O0wuoyKkC7gd8RzBWCRgN_7d5dJMxbNQ71hx8docl6uKf9yMdjFXs9isPXaSJp9UYtSVrJg7TPJicedsKdVJt46w752JBO5aaupGKnBKKrfQRpEg/s320/um%20gatilho,%20por%20favor.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p><br /></p><p>Bom, não vai dar pra escapar do grande assunto de interesse nacional dessa semana: a Taylor Swift.</p><p>Caso você seja hétero, o contexto é o seguinte: ela lançou um clipe essa semana, dirigido por ela mesma, em que encenava as suas inseguranças. Em uma cena, ela sobe na balança e, em vez de aparecer o peso dela em quilos ou libras ou megazords (não sei qual unidade de medida os americanos usam) aparecia apenas a palavra FAT: GORDA.</p><p>A cena era pra representar a luta da cantora com problemas de imagem corporal e com distúrbios alimentares, que ela já falou várias vezes que a acompanham pela vida.</p><p>Aí uma galera xingou a moça porque ela não é gorda e estava se apropriando de um sofrimento que não era o dela.</p><p>Eu sei, eu sei, pobrezinha da milionária. Mas cabe a pergunta: vale a pena calar uma pessoa porque ela pode ser mal interpretada por alguém que não compartilha dessa mesma experiência?</p><p><br /></p><p>Por outro lado, porque eu sou do centrão, a exposição de um sofrimento de forma indelicada a alguém que tenha um problema relacionado e que possa sofrer com isso não se trata de uma violência que deveria ser evitada?</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>A Fran Lebowitz, escritora mal humorada americana, tem um ódio especial por quem precisa de cães de companhia em viagens de avião.</p><p>Pra quem não sabe, algumas companhias aéreas permitem quem tem ansiedade viaje com um cachorro no colo, caso comprove com atestado médico que isso é necessário.</p><p>Para ela, nem crianças precisam disso. Quando uma criança chora você lhe entrega um ursinho de pelúcia, não um animal vivo. As experiências de dar um urso vivo para uma criança que chora, aliás, costumam ser desastrosas.</p><p>Se nós esperamos da criança que ela tenha a capacidade de metaforizar o aconchego que ela precisa através de um objeto, então por que deixamos de esperar isso de uma pessoa adulta?</p><p>Na minha opinião, é porque viagens de avião são chatas e ficam mais legais com um poodle sentado na poltrona ao lado.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Outra cantora pop fodona, a Lizzo, passou por uma situação de crítica parecida recentemente. Ela lançou uma música com a palavra "spaz", traduzindo literalmente "espástica", pra descrever um estado de espírito eufórico, incontrolável.</p><p>A música recebeu protestos de grupos de pessoas com deficiência, que diziam que o termo era ofensivo, muitas vezes utilizado para ridicularizar pessoas que sofrem espasmos musculares por causa de suas condições.</p><p>A Lizzo mudou a letra, e me parece ter feito certo: ela não estava falando de uma experiência própria, e sim usando uma metáfora infeliz sem perceber que estava machucando um grupo de pessoas.</p><p><br /></p><p>Parece existir, ali, uma linha mais fácil de perceber entre o que é ofensivo e o que é simplesmente o relato de uma vivência. Se ela literalmente tivesse espasmos na situação que descreveu na música, seria outra história.</p><p>Liberdade de expressão é meu pastor e gente me xingando na internet não faltará, mas me parece que os artistas (eu ia usar a expressão "produtores de conteúdo", mas um raio caiu do céu e partiu meu notebook ao meio bem na hora) podem adicionar uma camada de cuidado na hora de fazer sua arte.</p><p>Não custa nada perguntar "Qual é a melhor maneira de expressar o que eu sinto de um jeito que machuque o mínimo de pessoas fragilizadas possível?"</p><p><br /></p><p>Sei lá. Parece elegante.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Ao mesmo tempo, pra quem está na porção consumidora da arte, parece importante lembrar que é saudável ser capaz de enfrentar situações de estresse, e há um trabalho a ser feito também na direção de aumentar essa capacidade.</p><p>Quão frágil alguém deve estar para se sentir pessoalmente atingido por uma cena de um clipe? Há pessoas assim, e é importante protegê-las. Mas será que essa proteção vem de negar aquilo que é sombrio e pode nos machucar? Será que o mundo realmente ficaria melhor com livros sem vilões, histórias sem angústia, sem a representação das nossas dores, ainda que de uma forma que nos fira?</p><p><br /></p><p>Será que a representação do sofrimento através da arte não é justamente o motivo da arte existir? Será que não é melhor, quando alguém se ofende com uma obra artística, oferecer a ela também a oportunidade de produzir artisticamente a partir da sua subjetividade e assim se fortaleça?</p><p>Sensibilidade é garantir que uma pessoa com deficiência visual tenha suas necessidades atendidas e possa se movimentar com autonomia usando os recursos que tem, não apagar as luzes pra fingir empatia por não estar enxergando também.</p><p>Por mais que seja elegante preservar o outro de dores desnecessárias, todo mundo vai ser atingido bem no meio do gatilho algum momento, seja pela via da arte ou pela crueldade da vida mesmo.</p><p><br /></p><p>E todo mundo precisa estar preparado pra isso.</p><p>Até a Taylor.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-35418794474076615922022-10-04T14:04:00.001-03:002022-10-24T14:06:50.039-03:00Abaixo a conciliação!<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9y74wMiYgjThw9mrmlx1Ns5xF8HIfU-7kBkNOmfB5KVjm58JRm3tYPwn3qLswLBKP9o-OP0ImHuHYhLVA2MCuakC7PS6rnqpwHAMxt_j4HdJbErHxTo7Zu0-Wz1aDrpWU4jC89SS8YeHUh54g3qzpxiFZShsoh7e-tK3ErujFWC18oe87GmY/s1080/310918523_10159335079673985_7762570566514206718_n.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9y74wMiYgjThw9mrmlx1Ns5xF8HIfU-7kBkNOmfB5KVjm58JRm3tYPwn3qLswLBKP9o-OP0ImHuHYhLVA2MCuakC7PS6rnqpwHAMxt_j4HdJbErHxTo7Zu0-Wz1aDrpWU4jC89SS8YeHUh54g3qzpxiFZShsoh7e-tK3ErujFWC18oe87GmY/s320/310918523_10159335079673985_7762570566514206718_n.jpeg" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>"Eleição é um barato", penso eu, ignorando minha coluna travada de tanto estresse.</p><p><br /></p><p>No primeiro turno, os candidatos parecem adolescentes rebeldes e fazem questão de mostrar que são diferentes dos outros.</p><p>No segundo turno é o contrário: "Olha, eu não sou tão extremo assim, sou como você! Vem aqui, moderado! Senta no meu colo, eu não vou morder."</p><p>Hoje eu vi um pessoal falando que a esquerda devia se flexibilizar e dialogar com os evangélicos mais radicais.</p><p>Eu tentei fazer isso com um evangélico que estava pregando no ônibus, mas não consegui gritar tanto quanto ele. Em defesa dele, ele estava bem ocupado dizendo que pessoas como eu devem ir pro inferno.</p><p><br /></p><p>Pelo menos eu fiz um gesto de aproximação.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Não tem nada mais sem graça do que gente perpetuamente em cima do muro, que faz questão de se colocar como muito moderado como se isso fosse a maior qualidade do mundo. Se fosse assim, fogão que só deixasse a comida morna faria o maior sucesso.</p><p>Acredito que muito da irritação de quem tem posições mais moderadas com quem tem opiniões radicais vem de não aceitar a parte mais radical de si. Por medo do confronto, a gente fica conciliador.</p><p>E, como pessoa assumidamente conciliadora, assumo: a gente é pau mole pra caramba.</p><p><br /></p><p>Eu falo "veja, ninguém é a favor do aborto, é uma questão de legalizar pra morrer menos gente", mas a minha vontade é falar "mas putalamerda, tem estudos mostrando que lugares com aborto permitido tem MENOS abortos por conseguir abordar a gravidez indesejada com mais abertura, você QUER que morra mais gente?".</p><p>Eu falo "olha bem, os homossexuais só querem o direito de constituir suas famílias", mas por dentro eu sei bem que se aparecerem vinte Josés Loretos na minha frente, eu iria pra Noronha com os vinte e nunca mais ia lembrar de telefonar pra parente algum.</p><p>Aí acontece nem a outra pessoa concorda com o meu ponto, nem eu expressei o que eu queria. É um perde-perde.</p><p><br /></p><p>--</p><p><br /></p><p>Quando a gente se prende nessa tentativa de conciliar para facilitar o diálogo, nem percebe que está falando num tatibitate barato, esquecendo que tratar as pessoas como burras não é a melhor estratégia.</p><p>Às vezes, quando você trata uma pessoa como burra, ela não acha que você está sendo conciliador. Ela só acha que você pensa que ela é burra mesmo.</p><p><br /></p><p>É o que eu falo pra quem esconde a homossexualidade de algum parente idoso. Poxa, a pessoa teve 90 anos pra aprender o que é importante na vida, você vai mesmo achar que ela é incapaz de entender que você se apaixonou por alguém do mesmo sexo? Pode ser que ela seja só mau caráter, poxa. Não a subestime.</p><p>Quando a gente começa a podar partes nossas pra que o outro nos entenda, a gente perde a parte mais importante de qualquer relação: a autenticidade. Sem ela não há chance alguma de crescimento.</p><p><br /></p><p>--</p><p>Por isso, a partir de agora, vou respeitar o pessoal das igrejas sem tentar mudar a opinião de ninguém. Pois que fiquem lá, acreditando no que acreditam, como fazem há trocilhões de anos.</p><p>Eu vou defender o que eu acredito ganhando numericamente. Povo pró-ciência, precisamos nos reproduzir!</p><p>Vamos encher esse mundo de cientistinhas agnósticos. Vamos popular o país com gente de cabelo rosa e piercing no nariz que faz estudos de gênero.</p><p>Pra implantar de vez esse projeto, encerro esse texto convidando todos para uma grande orgia.</p><p><br /></p><p>Trago detalhes em breve.</p><p>Se alguém tiver o Whatsapp do José Loreto, favor me mandar.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-8556513675235702962022-09-16T14:02:00.001-03:002022-10-24T14:04:17.045-03:00Dicionário da Letra A<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCV0pCV47CM6IdpAeeFkxs9GVfzaERhGaLs_g-i41iZp2MBfFcfA55iKetumppQycVGvkmfOMz558y6n3_MYig0CNrbNtS_fLMjdfWf_0neM25n1WOkhMEfD856xMdn1bHiGJesGEdr1H_8w2xBGGExpTLYWazaWZgpubEY_7QA3TJDfRJGHc/s1080/1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCV0pCV47CM6IdpAeeFkxs9GVfzaERhGaLs_g-i41iZp2MBfFcfA55iKetumppQycVGvkmfOMz558y6n3_MYig0CNrbNtS_fLMjdfWf_0neM25n1WOkhMEfD856xMdn1bHiGJesGEdr1H_8w2xBGGExpTLYWazaWZgpubEY_7QA3TJDfRJGHc/s320/1.png" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p><br /></p><p>Confissão: eu gosto mais da ideia de ler do que da leitura propriamente dita. </p><p>Deitar na cama, acender o abajur, preparar uma caneca de chá pra beber durante a leitura, ler dois parágrafos... e cair no sono.</p><p>Talvez seja assim com mais gente. Não tem esse pessoal que acumula livros na estante, sabendo que nunca vai ler aquilo tudo, mas acha gostoso de olhar?</p><p>Eu acumulo download de livros, porque livros baixados são gratuitos e não há recomendação de livro melhor do que ele estar disponível gratuitamente.</p><p>Por isso, acabo lendo muito mais começos de livros do que finais. Aliás, suspeito que muitos escritores nem escrevam finais pro seus livros. </p><p>Fica a dica: quer escrever um livro mas sempre empaca na metade? Escreva o começo seguido por um capítulo bem chato. As pessoas nem vão conferir se as últimas páginas estão preenchidas. </p><p>Mas, atenção! Só funciona com livros, jamais com revistas, que qualquer leitor que se preze começa a ler de trás pra frente.</p><p>--</p><p>Não consigo imaginar a tortura que é ser dessas pessoas que fazem questão de ler um livro até o fim, mesmo quando não gostam.</p><p>Agora, começar um livro é muito empolgante. É tipo começo de relacionamento, você se apaixona por onde aquilo tudo pode levar... </p><p>A fantasia ferve. Você começa a imaginar alguém perguntando "E aí, o que você tem lido?" e o nome difícil do autor escorrendo pelos seus lábios...</p><p>Mas essa pergunta quase nunca vem, e aí você se vê obrigado a encaixar o assunto em conversas sobre outras coisas:</p><p>"Gostosa essa maionese, hein? Pena que não envelhece bem... como os textos do Lobo Antunes! Inclusive, tô lendo..."</p><p>--</p><p>A intenção é se gabar, mesmo. </p><p>É como encaixar uma conquista pessoal numa conversa qualquer: </p><p>"Então, eu fui ao supermercado, estacionei minha Mercedes SLR e tinha a maior fila no caixa!".</p><p>Só que, na prática, você comprou só o emblema da Mercedes, colocou na estante e está esperando uma onda de empolgação para se dar o trabalho de arranjar as outras peças e montar o resto.</p><p>Ainda bem que também não costumam perguntar qual foi o último livro que você efetivamente leu até o fim. </p><p>Eu nem saberia responder.</p><p>--</p><p>O legal de pensar metaforicamente é que a gente arranja desculpa pra tudo. Por exemplo, eu decidi interpretar que nunca termino livros por medo de abandono. Dificuldade de encerrar fases, sabe? Assim a história fica viva pra sempre dentro de mim, olha que lindo.</p><p>Nem parece que eu parei de ler porque fechei a aba do PDF e me falta saco pra achar a parte em que eu estava antes.</p><p>--</p><p>Eu sei que isso pega mal pra quem se diz escritor, mas, se eu pudesse, seria um escritor só de prefácios. Eu teria a ideia de um livro e sentaria para escrever. </p><p>Então, contextualizaria o tema e a importância daquela obra. Aí a obra mesmo eu não faria, deixaria com o leitor pra preencher com a imaginação. Economizaria tempo pra todos os envolvidos.</p><p>--</p><p>Por falar em prefácio, no prefácio do Dicionário Aurélio (acho o máximo que um dicionário tenha prefácio, só acho chato que fique no começo do livro e não no verbete "prefácio", que ficaria mais organizado), o autor conta a história dos três autores da primeira tentativa de um dicionário de língua portuguesa. </p><p>A tarefa foi tão exaustiva que os três autores escreveram as palavras com letra A e desistiram, sem jamais chegar à letra B. Um dos autores morreu e dois ficaram cegos. </p><p>Eu acho que o dicionário devia ter sido publicado do mesmo jeito. Dicionário da Letra A, um manifesto em defesa das pessoas que começam coisas e nunca terminam. </p><p>--</p><p>Começar um livro é dar vida a uma história e terminar um livro é matá-lo. Que crueldade! Os abandonadores de livros são os verdadeiros heróis.</p><p>Se o relacionamento entre um leitor e um livro é tão lindo, pra quê matar alguém que você ama? Deixa lá longe, guardado, como um caso de amor que se distancia mas nunca se encerra... </p><p>Nem se empresta pra ninguém, claro. Sou ciumento.</p><p>--</p><p>O fato deste texto ter ficado tão longo é justamente um teste para ver quem são as pessoas tolas o suficiente pra resistir até o fim. Se você *não* chegou até essa parte do texto, parabéns! Você ganhou.</p><div><br /></div>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-18818687735921864552022-08-17T14:00:00.001-03:002022-10-24T14:02:20.619-03:00Três remédios<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrdVH_ydWGd97ltvEGJHIuhClrjFwSXtb1BOohEegmrjBg-_erkZn8Ysl6Z_upOxpZ4R1KyEjNJDZ11Bv1RkekHgiWMGLp55Klgc--LGOxHu-S4L0kYAPdRve7g2H5xExXFhMn0t59sRgMCFMVEdTZ2P6dAOKUzNLpQ2Vzss3sMlrVvJ-9__Q/s1080/299015913_10159266188888985_6599599961104289349_n.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrdVH_ydWGd97ltvEGJHIuhClrjFwSXtb1BOohEegmrjBg-_erkZn8Ysl6Z_upOxpZ4R1KyEjNJDZ11Bv1RkekHgiWMGLp55Klgc--LGOxHu-S4L0kYAPdRve7g2H5xExXFhMn0t59sRgMCFMVEdTZ2P6dAOKUzNLpQ2Vzss3sMlrVvJ-9__Q/s320/299015913_10159266188888985_6599599961104289349_n.jpeg" width="320" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Agora que o Instagram tem mais correntes que um praticante de BDSM, toda semana aparece uma diferente que me chama atenção.</p><p>A dessa semana é uma foto sua e três remédios que te representam. </p><p>Dá pra conhecer muito sobre as pessoas assim: Olha, fulano toma omeprazol, é da turminha da dor do estômago! Beltrano é dos meus, toma dipirona 1g!</p><p>Curiosamente, não vi uma pessoa ser honesta e postar um laxantezinho ou remédio pra verme... </p><p>--</p><p>Se eu estivesse num dia mais chato, talvez fosse interpretar isso como um sintoma de uma medicalização excessiva da sociedade. Olha como a gente se identifica com remédios, que horror!</p><p>Mas poxa vida, as pessoas postam aquilo que ressoa com elas. Se tanta gente ressoa com essa hipocondria, é porque o que elas tem em comum é a dor. Que bom que existe algum remédio que possa ajudar.</p><p>Além disso, até ter um posto de saúde em cada esquina eu vou teimar que não existe tanta medicalização assim. É a mesma coisa que reclamar que a língua portuguesa vai acabar se dez por cento da população estudar em inglês. </p><p>Ainda falta muito acesso pra isso ser um problema.</p><p>--</p><p>Eu já fui dessas pessoas avessas à remédio. Imagina, botar uma coisa química dentro do meu corpo! Eu comia meu Cheetos com dor mesmo e ia dormir.</p><p>Hoje não. Hoje eu adoro remédio. </p><p>Meus amigos também, o papo entre a gente volta e meia vai parar no assunto. E rende, viu?</p><p>Eu tomava uma dipirona 1g por dia até alguém me recomendar suplementar magnésio pra diminuir as crises de enxaqueca tenebrosas que eu tinha. Melhorou muito e hoje eu sou uma testemunha do Magnésio. Amém, irmãos.</p><p>Um dos meus sites favoritos do navegador é o outlet da Ultrafarma. A página é ilustrada por uma foto de uma velhinha, numa semiótica que remete a produtos próximos de data de expirar. É lá que eu compro remédios que eu nunca vou tomar na vida só pelo prazer de oferecer pra uma visita que chegue aqui em casa.</p><p>Vitaminas também. Vai tudo pro xixi? Pois vou fazer xixi de luxo. Funcionou pra Glória Maria e vai funcionar pra mim também.</p><p>Tá certo que estou falando de coisas leves, uma aspirina, uma simeticona... Na hora de tomar oxicodona e da morfina por conta própria eu concordo, vamos moderar um pouquinho. Melhor tomar um chazinho da vovó mesmo. </p><p>--</p><p>Os piores são os que tentam subverter a corrente. </p><p>Três remédios que combinam com você: uma foto de caminhada, uma foto de floresta e uma foto vestindo roupão e tomando champagne. Ugh.</p><p>Ou ainda, três remédios: uma foice, um martelo e a foto do Lula. Calma aí, camarada. Revolução é necessária, mas não é remédio.</p><p>Lembram daqueles posts de conscientização tipo "Amigo não é terapia, terapia é com psicólogo"? Quero o conselho de Farmácia promovendo uma campanha de "Caminhada não é remédio. Remédio é remédio. Vem aqui na DrogaSaúde que eu te dou 80% de desconto."</p><p>Teve um que colocou como remédio uma foto dele mesmo fazendo crossfit! Me deu vontade de vomitar. </p><p>Por sorte, eu tinha uma caixa de Eno por perto.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7293044.post-88819210319604378552022-08-09T13:59:00.001-03:002022-10-24T14:00:11.242-03:00Apagando memórias<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2O-tFM9HyYLe-VekT0mRl0D7z5l_hhw0ky8fgHurzIlXLyPpkSRER8tRl-s7dpSqsmmeh8lxtguBDEnXAO2XjUCXJiU1iwPsHBJ6YfpDi3CAlkxlVV3vHL504fAxxlMGu5o4JhLuKzctO0mjcVqbp7Nwi_rDAuf3SJEn7cp7eDXadlYxdiVk/s1080/Perdendo%20a%20memo%CC%81ria.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2O-tFM9HyYLe-VekT0mRl0D7z5l_hhw0ky8fgHurzIlXLyPpkSRER8tRl-s7dpSqsmmeh8lxtguBDEnXAO2XjUCXJiU1iwPsHBJ6YfpDi3CAlkxlVV3vHL504fAxxlMGu5o4JhLuKzctO0mjcVqbp7Nwi_rDAuf3SJEn7cp7eDXadlYxdiVk/s320/Perdendo%20a%20memo%CC%81ria.png" width="320" /></a></div><p><br /></p><p>Vi agora há pouco uma matéria em que o Peter Jackson, diretor dos filmes do Senhor dos Anéis, falou sobre como ele chegou a considerar passar por uma hipnose para esquecer dos filmes que fez. </p><p>Minha cabeça foi automaticamente pra um extremo dramático: será que a experiência de fazer os filmes foi tão ruim assim pra ele, que ele gostaria de apagar qualquer resquício disso da sua mente?</p><p>Mas não, o homem quis apagar a memória dos filmes para poder assistir a obra-prima que criou com olhos virgens, não contaminados pelos anos de processo criativo desgastante.</p><p>Espero um dia ter uma autoestima desse tamanho. </p><p>Apagar uma memória pra ver o que eu já fiz de novo? Jamais! </p><p>Eu sou do time que, se fosse apagar alguma memória, escolheria algum momento constrangedor da vida, e ai de quem ousar me lembrar depois.</p><p>--</p><p>Muito mais útil do que apagar memórias em si, na minha opinião, é poder apagar a memória dos outros, como no filme dos Homens de Preto.</p><p>Fez um comentário que pegou mal? Flash na pessoa, e tenta um comentário diferente.</p><p>Pediu pra alguém lhe dar a mãe em vez de lhe dar a mão? Flash.</p><p>Ejaculação precoce? Flash. Tenta de novo.</p><p>Infelizmente, procurei o flash que eles usam no filme no Shopee e não encontrei nenhum disponível, pelo menos não com frete grátis.</p><p>--</p><p>Agora, falando sério, discordo profundamente da ideia de se livrar de memórias negativas que já tivemos.</p><p>É como querer apagar o quarto andar de um prédio e querer que todos do quinto pra cima continuem no lugar. Mesmo o pior trauma que tivemos faz parte da estrutura que nos mantém de pé hoje.</p><p>Inclusive: o recalque, que é a teoria desenvolvida pela Valeska Popozuda que diz que memórias muito angustiantes são jogadas para o inconsciente, tende a ter muito mais efeitos negativos a longo prazo do que positivos.</p><p>Muito de uma terapia tem a ver com recuperar memórias ruins e lidar com elas do que apagar momentos traumáticos. Uma história sem traumas não faz sentido, uma narrativa com buracos no roteiro é chata demais de se manter.</p><p>Afinal, o que é uma memória se não uma história contada pela gente pra gente mesmo? </p><p>Talvez a gente não possa ver um filme com os olhos virgens, mas pode adaptar a história ao nosso gosto. Uma ou outra parte mais chata, tudo bem. O importante é poder assistir sem precisar fechar os olhos em nenhuma cena.</p>Flávio Voighthttp://www.blogger.com/profile/01332506726484047289noreply@blogger.com0